É um disparate pensar que há uma incompatibilidade de raiz entre comunistas e liberdade religiosa. Mas para quem acha isso, vale a pena seguir o que se tem passado recentemente na Índia. O Governo nacionalista hindu de Narendra Modi fez passar uma lei que, pela primeira vez desde a independência em 1947, usa a religião como critério de cidadania. O resultado foi uma explosão de violência nas ruas, com 23 mortos até agora. O estado de Kerala, governado por uma coligação liderada pelo Partido Comunista da Índia (Marxista) como já tinha acontecido no passado, contestou a lei e argumentou que a natureza secular da República da Índia não permite esta discriminação e é o garante da liberdade da maioria e minorias religiosas. O comunista Pinarayi Vijayan, chefe do executivo de Kerala, recusou-se a implementar a nova lei. Vijayan defende que Kerala “não pode aceitar algo que seja inconstitucional e que divida as pessoas com base na religião”. E acrescenta: “A nossa é uma sociedade rica que evoluiu ao longo dos anos com a ideia de unidade na diversidade. Dividir comunitariamente a Índia é um movimento que enfraquecerá a unidade entre o povo.” Kerala tem 55% de hindus, 27% de muçulmanos, e 18% de cristãos.
A Ordem Dominicana dedicou este Dezembro à oração e acção pela paz na Índia. Como disse recentemente o fr. José Nunes a propósito deste Mês Dominicano da Paz: “Pouca gente sabe mas a Índia é um autêntico ‘tsunami’, muitas vezes invisível, mas de uma violência muito grande a muitos níveis: violência política, religiosa, cultural e social”. Dezembro, sabemos, é o mês em que celebramos a chegada do príncipe da paz, o nascimento de Jesus. O prior provincial dos Dominicanos em Portugal conclui: “A paz não é para ser vivida só num mês, é um desígnio universal para ser vivido em todo o tempo e lugar. No fundo, todas as grandes religiões falam disso, todos os homens e mulheres de boa vontade e na nossa cultura defendem a paz”. Para nós, cristãos, o desafio do Natal é, precisamente, fazer germinar a fraternidade no interior da família humana. Como assinalou o Papa Francisco em Fevereiro de 2019 no Encontro Inter-Religioso em Abu Dhabi, isso “requer a coragem da alteridade, que supõe o pleno reconhecimento do outro e da sua liberdade”.