Pela Paz na Índia Multi-Religiosa

22.12.2019

É um disparate pensar que há uma incompatibilidade de raiz entre comunistas e liberdade religiosa. Mas para quem acha isso, vale a pena seguir o que se tem passado recentemente na Índia. O Governo nacionalista hindu de Narendra Modi fez passar uma lei que, pela primeira vez desde a independência em 1947, usa a religião como critério de cidadania. O resultado foi uma explosão de violência nas ruas, com 23 mortos até agora. O estado de Kerala, governado por uma coligação liderada pelo Partido Comunista da Índia (Marxista) como já tinha acontecido no passado, contestou a lei e argumentou que a natureza secular da República da Índia não permite esta discriminação e é o garante da liberdade da maioria e minorias religiosas. O comunista Pinarayi Vijayan, chefe do executivo de Kerala, recusou-se a implementar a nova lei. Vijayan defende que Kerala “não pode aceitar algo que seja inconstitucional e que divida as pessoas com base na religião”. E acrescenta: “A nossa é uma sociedade rica que evoluiu ao longo dos anos com a ideia de unidade na diversidade. Dividir comunitariamente a Índia é um movimento que enfraquecerá a unidade entre o povo.” Kerala tem 55% de hindus, 27% de muçulmanos, e 18% de cristãos.

A Ordem Dominicana dedicou este Dezembro à oração e acção pela paz na Índia. Como disse recentemente o fr. José Nunes a propósito deste Mês Dominicano da Paz: “Pouca gente sabe mas a Índia é um autêntico ‘tsunami’, muitas vezes invisível, mas de uma violência muito grande a muitos níveis: violência política, religiosa, cultural e social”. Dezembro, sabemos, é o mês em que celebramos a chegada do príncipe da paz, o nascimento de Jesus. O prior provincial dos Dominicanos em Portugal conclui: “A paz não é para ser vivida só num mês, é um desígnio universal para ser vivido em todo o tempo e lugar. No fundo, todas as grandes religiões falam disso, todos os homens e mulheres de boa vontade e na nossa cultura defendem a paz”. Para nós, cristãos, o desafio do Natal é, precisamente, fazer germinar a fraternidade no interior da família humana. Como assinalou o Papa Francisco em Fevereiro de 2019 no Encontro Inter-Religioso em Abu Dhabi, isso “requer a coragem da alteridade, que supõe o pleno reconhecimento do outro e da sua liberdade”.

Sessão de Solidariedade com os Povos do Médio Oriente

30.11.2019

A Credibilização dos Sindicatos

29.11.2019

O discurso sobre a suposta “descredibilização dos sindicatos” não é novo. É até muito velho e sabemos a quem tem servido, a quem serve. Os sindicatos que se assumem como sendo instrumentos da classe trabalhadora, que não são agremiações para fazer favores ao patronato, não estão descridibilizados — são descridibilizados, o que é bem diferente. Quando Karl Marx iniciou as suas actividades políticas, estavam a nascer sindicatos assim. O poder instituído defendia a continuação da exploração desenfreada. E a sua resposta foi, precisamente, a descridibilização e, em muitos casos, a ilegalização. Eram organizações que punham em causa a ordem social estabelecida, que queriam transformar a sociedade. Passa-se o mesmo hoje. Quem controla e mantém esta economia que descarta, espezinha, explora, que concentra a riqueza na mão de um pequeníssimo grupo, esta economia que mata, só tem receio de quem lhes faça frente de forma organizada. É possível que quem embarque neste discurso da “descredibilização dos sindicatos” não se aperceba que tal não fortalece estas organizações, mas é utilizado para as tentar enfraquecer. Trata-se também, muitas vezes, de uma observação baseada no desconhecimento ou, então, na ocultação de informação. Os sindicatos estão sempre em dificuldades numa sociedade em que o poder dominante não os valoriza (porque não valoriza os trabalhadores) e raramente os chama para um diálogo efectivo (porque, na prática, os coloca abaixo dos representantes do patronato). Quem esteja realmente empenhado em ver os sindicatos cumprir o seu papel de defesa dos interesses dos trabalhadores, nomeadamente da melhoria das suas condições de vida e trabalho, deve participar neles, dar do seu tempo, colocar-se ao serviço. O que é urgente é contribuir para a credibilização dos sindicatos, fomentar o trabalho de unidade entre dirigentes de diferentes sensibilidades sindicais, aumentar as massas de associados e a sua participação nas discussões e decisões, combater a fragmentação de sindicatos que retira força aos trabalhadores organizados, construir propostas que façam avançar os seus direitos, e mobilizá-los para as lutas que lhes dizem respeito e para a solidariedade com as reivindicações noutros sectores, no plano nacional e internacional. Gostava de ver uma fila imensa de gente disponível para este trabalho dedicado, diário, consequente, que nada tem a ver com fogachos ou iniciativas pontuais.

Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino 2019

25.11.2019

Tolerar ou Não Tolerar?

12.11.2019

Os libertários, vulgo liberais, gostam de citar David Boaz: "A diferença entre o libertarismo e o socialismo é que os libertários toleram a existência de uma comunidade socialista, mas os socialistas não podem tolerar uma comunidade libertária." Pode passar despercebido o facto de a frase não mencionar a questão central do estado e a sua natureza de classe. Os libertários toleram o que é inofensivo, o que não altera as relações sociais. Toleram uma comunidade socialista num estado capitalista, mas não podem tolerar um estado socialista (na verdade, como a história demostra, nem nada que se assemelhe a isso), que cria um contexto que muda o sentido do que é existir uma comunidade libertária.

Celebrações

10.11.2019

Cheguei ontem a casa ao fim de um longo dia de viagens. Liguei a televisão e estava a dar uma peça na RTP sobre o derrube do Muro de Berlim, na qual se dizia que a Alemanha tinha sido dividida entre os Aliados e a União Soviética. Assim: como se a União Soviética não tivesse feito parte dos Aliados da Segunda Guerra Mundial, como se não tivesse tido mais baixas do que os EUA e o Reino Unido combinados. Seguiram-se outras afirmações falsas e informações omitidas. Celebrar a queda do Muro de Berlim? Sim, se isso tivesse simbolizado um avanço, um progresso real na história da humanidade. Não foi isso que aconteceu. E os retrocessos sociais que se seguiram vêm acompanhados de uma descarada desinformação. O que valerá a pena celebrar de forma efusiva é o fim da ditadura de classe que sustenta o capitalismo.

Ganhámos uma Camarada

28.10.2019

Durante a última campanha eleitoral, soube de gente que gostava de ter apoiado publicamente a CDU (PCP-PEV) e que não o fez porque estava numa situação precária e receou retaliações. Soube de quem, estando com o PCP, sussurrou nos locais de trabalho a outro votante para que mais ninguém soubesse. É preocupante, mas também de alguma forma sintomático, que tal aconteça à CDU e ao PCP na nossa jovem democracia, com muito para avançar, com a marca da Revolução de Abril mas com o seu ímpeto sempre ameaçado.

É evidente que ninguém vem ao Partido Comunista Português para ter uma vida fácil, cheia de portas abertas, olhares de admiração, e outras coisas que tais. Quem procura essas facilidades e vaidades rapidamente percebe que estará melhor noutro sítio. Quem vem ao PCP, quem nele se inscreve como militante, para ajudar e contribuir, para integrar um colectivo como indivíduo, dá um passo que, em muitos casos, teve de vencer uma barreira de preconceitos e mal-entendidos. Sabe que só a convicção transformadora feita ânimo de muitas mãos e de muitas cabeças a pode manter sem desalento. Desanimar é olhar para baixo, largar os laços da união que fazem a força, que tecem a organização, únicas formas de combater os males estruturais do capitalismo, que continua a gerar contradições gritantes sem capacidade de as resolver. A história não acabou e os comunistas sabem-no, provam-no dia após dia, “mantendo vivos no pensamento e na acção valores básicos elementares como a igualdade de direitos, a generosidade, a fraternidade, a justiça social, a solidariedade humana”, como escreveu Álvaro Cunhal.

Reparem nesta fotografia de David Manso da Festa do Avante!: as crianças brincam como a humanidade sonha, com gestos concretos e criativos. É uma imagem apropriada para este dia tão feliz. Ganhámos uma camarada. Não é caso único e é essa acção, essa resposta, consciente e determinada, que o tempo exige. Ganhámos uma camarada e sem a camaradagem não há Partido nem há futuro digno desse nome. Bem-vinda.

A Água como um Bem Público e Não como um Bem Económico

28.10.2019

Da Liberalidade de uma Iniciativa

13.10.2019

Ainda é cedo, mas já se percebeu que a Iniciativa Liberal age como um espertalhão. Quer ter iniciativa antes de estudar e conhecer. Quer ser liberal mesmo em relação às regras de funcionamento da nossa democracia. O deputado eleito por Lisboa, João Cotrim de Figueiredo, veio afirmar, com dramático estrondo, que vai votar contra o programa de governo do PS. Acontece que o programa de governo não vai a votos na Assembleia da República. O que pode ser votada é uma moção de rejeição a esse programa — como aconteceu em 2015, em relação ao que tinha sido apresentado por Pedro Passos Coelho. Duas lições de ouro que podem causar mossa ideológica: a primeira é que a iniciativa, por si só, não garante o acerto; a segunda é que liberdade não se exerce no vazio e, por isso, tem sempre limites.

O Futuro de que Precisamos como Horizonte

13.10.2019

Algo que sempre me espantou: a ideia da rigidez e imobilidade do Partido Comunista Português, que já viveu e passou por muita coisa nos seus quase 100 anos de existência. Sobrevive às convulsões da Primeira República (1910-1926). Passa à clandestinidade no período da ditadura fascista. Integra várias coligações eleitorais (FEPU, APU, CDU) depois da Revolução de Abril de 1974. Ajuda à integração de outras forças nessas coligações (a UDP, co-fundadora do BE, em 1991). Assume responsabilidades autárquicas mesmo onde não ganha as eleições. Trabalha em conjunto de forma construtiva. Encontra soluções políticas para impasses institucionais. Etc. Tudo feito com criatividade e flexibilidade, tendo em conta as exigências e as condições de cada momento. E, no entanto, nada disso permite apagar essa imagem. Porquê? Por causa das ideias feitas, é certo. Mas também porque o PCP tem um projecto, um ideal, um horizonte, que não trai nem abandona, cuja necessidade a realidade não desmente mas confirma todos os dias. O que me parece rígido e imóvel é a relutância na adaptação a uma situação diferente, a falta de inventividade na resposta, a insistência numa solução encontrada para outro contexto, o fechamento no que já foi, a dificuldade em ler um presente cheio de potencialidades e perigos. Um PS de mãos livres seria aquele que tivesse maioria absoluta. Esta legislatura vai ser exigente para esse partido, porque serão as opções e objectivos do seu governo, a convergência ou divergência com as forças de esquerda, que determinarão a estabilidade governativa. Com ou sem papel, o PCP lá estará para participar na construção do futuro de que precisamos.

Isolar

11.10.2019

Vejo muita gente, mesmo muita, cair em manobras de petições, divulgando, comentando, reagindo, propagando, respondendo com contra-petições. Ou seja, ajudando a colocar no centro da actividade política e do debate político quem lá não deve nem pode estar se queremos preservar a democracia que temos. Parece-me que, em vez disso, precisamos de uma estratégia de isolamento dessas forças reaccionárias e anti-democráticas.

Discriminação Etária

03.10.2019

Fala-se tanto de discriminações e preconceitos vários para os combater, e ainda bem, mas a discriminação etária passa muitas vezes em claro no nosso país. O modo como é olhado pela comunicação social Jerónimo de Sousa, que com 72 anos faz mais e dá mais de si do que muita gente mais nova, é um perfeito exemplo disso. Baseia-se na ideia de que os “velhos” são lentos, fracos, dependentes, senis, inúteis. Pois bem, se há coisa que sempre admirei na CDU e no PCP é o contributo que cada pessoa pela sua identidade, pelo seu percurso, pela sua actividade, pelo seu conhecimento, pode dar a esta força democrática e de unidade. Não olhamos para os muitos jovens que nela participam como imaturos, desinteressados, irresponsáveis. Não pomos de lado os mais velhos como se já nada tivessem a dizer ou a fazer. Pelo contrário. Cada pessoa contribui como sabe e pode, não só nas campanhas mas sobretudo na vida política quotidiana. E esse contributo é respeitado e integrado, porque cada um deles ajuda a consolidar posições colectivas, partilhadas, fundadas em aspirações legítimas e na experiência acumulada.

Repúdio, Travamento e Abandono do “Museu Salazar”

18.09.2019

Há uma nova petição sobre um projecto museulógico em torno do espólio de Salazar, da qual sou um dos primeiros subscritores. Juntem-se, assinem, divulguem, apoiem aqui.

A Esquerda de Israel

18.09.2019

A informação forma consciências, molda visões do mundo. Pensemos em Israel. A realidade política e social desse país é mais complexa do que se costuma dar a entender. Ouve-se falar sobre as eleições para os 120 deputados do Knesset (Parlamento) e a ideia que passa é a de que só existe o centro (Kaḥol Lavan, com 33 deputados) e a direita (HaLikud, o partido de Benjamin Netanyahu, com 32 deputados). Não se fala da esquerda (HaReshima HaMeshutefet, com 12 deputados). Esta terceira força em termos de votação é uma coligação que advoga a solução dos dois estados (Israel e Palestina) e defende os árabes israelitas. Dentro desta coligação que subiu neste acto eleitoral, o Maki, Partido Comunista de Israel, tem um papel fundamental, sendo o partido com mais eleitos (3 deputados).

Vacas e Modos de Produção

18.09.2019

A resposta ao Reitor da Universidade de Coimbra (UC) veio de Vila Pouca de Aguiar. As reacções do criadores não se fizeram esperar. E não é só o gado maronês, mas todo o gado autóctone, quando é criado nas condições do seu habitat natural. O problema não são as vacas, mas o modo de produção. Que o combate às alterações climáticas não nos torne irracionais, inimigos da inteligência e do bom senso. Produzir e consumir localmente é uma medida fundamental na acção pelo clima e está provado que é mais benéfica para a saúde das populações locais, que fazem parte do mesmo ecossistema. Agora, imagine-se que a Reitoria da UC decidia e anunciava que a instituição passaria a privilegiar a compra de ingredientes alimentares locais, por convicção ecológica e para contribuir para o desenvolvimento da região. Talvez não gerasse parangonas, não é? Já agora, vale a pena espreitar os compromissos críticos e sensatos do Partido Ecologista “Os Verdes” para estas eleições.

O Nosso ADN

14.09.2019

Lembro-me bem das palavras, ouvidas de passagem na Festa do Avante deste ano: “É impressionante que se consiga organizar isto. Mas o que mais me impressiona é que esta gente não se deixa ir abaixo, não desiste de lutar pelo que é justo, não fica a lamber as feridas. Tem uma força incrível. Mesmo no pessoal mais jovem se nota. Parece que passa de geração em geração. Acho que nenhum outro partido aguentava quase meio século de clandestinidade em ditadura. As pessoas desistiam, abandonavam a coisa para tratar da vidinha.” Claramente, pela maneira como falava, o homem não era militante do Partido Comunista Português. Não sei que contacto tem com comunistas portugueses ou se esteve muito tempo a pensar e foi ali, no meio daquela festa imensa, que conseguiu finalmente dizer o que eu ouvi. Não sei quem era. Sei que sabe mais sobre nós e o nosso ADN do que os banais comentadores políticos que vamos ouvindo.

Avivar a História

12.09.2019


48.

Estranho esta ideia de que quem está contra qualquer projecto museológico em torno do espólio de António de Oliveira Salazar, para a partir daí construir um discurso sobre o Estado Novo, quer apagar a história. Vivemos num país onde a defesa da memória histórica do que foi a repressão fascista e da luta pela liberdade contra a ditadura quase não ocupam o espaço público nem os contextos educativos. Basta espreitar os livros e currículos escolares. O desconhecimento do nosso passado recente é cultivado em muitas escolas. É isso que vale a pena mudar, não apenas por respeito pelo passado, mas em nome do futuro. Tenho a experiência de mostrar um filme como 48 (2009) da Susana de Sousa Dias na universidade e registar a surpresa da maioria dos estudantes sobre a brutal violência política da PIDE em Portugal. Adelino Silva, Álvaro Pato, Conceição Matos, Domingos Abrantes, Manuel Martins Pedro, Matias Mboa: nunca tinham ouvido falar daqueles nomes. O de Salazar vai sendo nomeado, muitas vezes de forma amena, benévola, tolerável, mas ainda sem espólio. Hoje, João Miguel Tavares escreve no Público que Salazar criou uma “ditadura de baixa intensidade” — um insulto vil para quem foi perseguido, encarcerado, torturado, e morto ao lutar pela democracia. Hoje, o PNR e José Pinto-Coelho clamam “honra a Salazar”. Hoje, há uma onda bem real de extrema-direita que cresce na Europa. É neste momento histórico que estamos. Saibam os democratas estar à altura do que lhes é exigido.

Liberdade, Democracia, e o Dever da Memória

11.09.2019

“Condena firmemente a criação de um ‘museu’ dedicado à memória do ditador Oliveira Salazar em Santa Comba Dão, independentemente da sua designação, considerando essa criação uma afronta à democracia, aos valores democráticos consagrados na Constituição da República e uma ofensa à memória das vítimas da ditadura.”

O voto foi apresentado pelo Partido Comunista Português na Assembleia da República. Foi aprovado com votos a favor do BE, PCP, PEV, e PS, e a abstenção do CDS e PSD. O PAN não participou na votação.

A liberdade custou a conquistar em Portugal. É um custo que a democracia deve saber respeitar, caso contrário faz ruir as suas fundações. E é uma liberdade que, por essa razão, tem o dever da memória, não do ditador, mas das vítimas da ditadura. Escrevo isto no dia dos 77 anos da morte de Bento Gonçalves, segundo Secretário-Geral do PCP, no campo de concentração do Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde.

O Infortúnio e o Carrossel

02.09.2019

Ouço António Costa falar sobre as novas normas laborais e só consigo imaginar os grandes patrões sem escrúpulos a esfregarem as mãos de contentes e os jovens trabalhadores a coçarem a cabeça, perplexos. Diz ele que o período experimental foi aumentado, sim senhor, para 180 dias, mas foi integrado nos contratos sem termo de trabalhadores, perdão, colaboradores. Para todos? Não, só para quem procura o primeiro emprego e desempregados de longa duração sem qualificações — talvez seja para serem castigados pela sua circunstância com o infortúnio. E o período experimental implica um vínculo efectivo posterior? Nem por isso, na prática transforma-se num contrato a termo de seis meses, sem necessidade de fundamentação e sem direito a compensação — talvez seja para viverem alegremente num carrossel.

Haja Força!

01.09.2019

Entre a “paciência revolucionária” de Jerónimo de Sousa e a “paciência reformista” de António Costa não é possível uma aliança. Só é possível um trabalho conjunto que vise avanços económicos, sociais, políticos, e culturais que serão sempre limitados. Aquilo que guia o Partido Comunista Português, dentro e fora da CDU - Coligação Democrática Unitária, é a superação do domínio do capital monopolista do Portugal desigual e das imposições externas do Portugal amarrado — um horizonte que não cabe nas palas que confinam o reformismo. O capitalismo não é reformável, não é capaz de resolver as suas devastadoras contradições. Mas é transformável noutro sistema. Não desistimos da edificação de uma sociedade liberta da exploração humana, verdadeiramente democrática, assente nos valores da Revolução de Abril: democracia, liberdade, expressão popular, emancipação, solidariedade, justiça social, respeito pelo meio ambiente, paz, soberania, cooperação, e progresso. Não desistimos do socialismo. Haja força!

Sabe Bem Pagarem Tão Pouco

20.08.2019

Sem perspectivas na academia e sem apoio familiar depois de uma tragédia, fui trabalhar para a Fnac Colombo em 2002. Foi assim que entrei no “mundo do trabalho” depois de ter concluído a Licenciatura em Arquitectura. Fiz amigos para a vida e aprendi a realidade da exploração capitalista. O assédio diário para a superação de objectivos cada vez mais altos, as margens nos produtos a dilatarem, e os salários a continuarem baixos. No mundo das multinacionais retalhistas, na Fnac como na Jerónimo Martins, sabe bem aos donos pagarem tão pouco. O desrespeito pelos trabalhadores era quotidiano. Até um simples banco para descansos momentâneos durante as 8 horas de trabalho de pé teve de ser conquistado. Foi uma experiência marcante que não me fez ser de esquerda, que já era, mas que foi a raiz de me ter tornado comunista — de vez. Talvez Alexandre Soares dos Santos tivesse muitas qualidades humanas. Certamente que o seu falecimento pesa sobre a sua família. Sou sensível a essa dor. Reconheço também o mérito de algumas iniciativas da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Mas os repetidos elogios públicos por ele ter construído um império reflectem os valores dominantes na nossa sociedade que me empenho em combater. Sei de conhecimento directo como ele construiu esse império e ponho-me a pensar no facto de se ter declarado cristão várias vezes. A fortuna que acumulou está em flagrante contraste com o sentido do Evangelho. E aos cristãos cabe a rejeição do império, seja qual for a sua forma, por duas razões. Primeiro, porque conheceram a opressão que é sempre o reverso do império. Segundo, porque conheceram a sedução do poder do império. No fundo, porque os cristãos sabem que Jesus não se colocou ao lado dos ricos e poderosos num mundo injusto, de domínio de uma classe sobre outra. E que, mesmo sob pena da crucificação, é nesse caminho de libertação que encontram a liberdade.

Forte com os Trabalhadores, Fraco com os Patrões

12.08.2019

A mesma Autoridade para as Condições do Trabalho que não foi accionada para que as empresas associadas da ANTRAM cumprissem o Contrato Colectivo de Trabalho que assinaram com a FECTRANS está agora a verificar o estrito cumprimento dos serviços mínimos decretados pelo Governo. É apoiada pela polícia nesta operação. O comportamento do Governo do PS tem sido este: forte com os trabalhadores, fraco com os patrões. Avançar é preciso e não será por este caminho.

A Luta Contra o Amesquinhamento

24.07.2019

Talvez custe ler ou ouvir, mas aqui vai: o amesquinhamento de Boris Johnson como ignorante (que não é) e de Donald Trump como idiota (que não é) demonstra os problemas de uma parte significativa da esquerda de hoje. É uma acção que se pretende forte, mas que apenas revela a debilidade de quem prefere um insidioso paternalismo ao combate político consequente. A luta é o caminho.

A Despolitização da Política

21.07.2019

Quem procurar neste blogue não encontra textos contra o Bloco de Esquerda (BE). Não alimento preconceitos, mal-entendidos, falsidades, quando as convergências com o Partido Comunista Português (PCP) são imensamente maiores do que as divergências. Defendo que nos deve interessar, sobretudo, a unidade da esquerda. Mais uma vez não o farei. Mas a entrevista que Marisa Matias deu ao Expresso merece uma breve reflexão.

Associar a misoginia à ocorrência de a sua candidatura à presidência do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL) não ter reunido consenso e de o PCP e o AKEL (não esquecer) não a terem apoiado, parece-me que contribui unicamente para o processo de despolitização da política. (Além disso, promove-se assim a mentira em relação ao PCP, como comprovam Ilda Figueiredo, Inês Zuber, e Sandra Pereira, recém-eleita ao Parlamento Europeu.) É de assinalar que foi isso que Marisa começou por dizer: apenas que a sua candidatura não tinha reunido consenso. Agora disse outra coisa. Considerar que na avaliação de uma candidatura num grupo político com diversas perspectivas, mas que tem conseguido encontrar soluções consensuais de funcionamento e representação, deve ser privilegiado o facto de alguém ser mulher, portuguesa, etc., e não as suas ideias políticas, não contribui para a igualdade de género na participação política. É utilizar a diferença de género como arma de arremesso, abrindo a porta à chantagem (“se não estiveres comigo, estás contra mim e contra as mulheres”) e esvaziando a discussão política. Para que fique registado, o PCP apoiou a composição de um gabinete, corpo executivo do GUE/NGL, que inclui Marisa Matias (BE) e João Ferreira (PCP), e que tem como presidente, precisamente, uma mulher: Gabriele Zimmer (Die Linke).

O Ensino dos Professores

14.07.2019

Eis a pista para a primeira chave horizontal das palavras cruzadas propostas no Expresso desta semana: “Ensinam quando não estão em greve.” A palavra? “Professores.” Já o escrevi há mais de um ano e este passatempo impregnado de ideologia trouxe-me as palavras à memória:

A educação é um pilar da democracia. Por isso, uma forma de medir o atraso ou o avanço de uma democracia, de determinar a grandeza do seu desenvolvimento, é o modo como se tratam e olham os professores: se não dignificados ou não, se são respeitados ou não, se são defendidos ou não. Cada luta justa dos professores em Portugal revela uma imensa solidariedade, nomeadamente de colegas de escola, de estudantes, e de encarregados de educação. Mas demonstra também que ainda temos muito para andar na democratização da sociedade portuguesa.

E é precisamente por esta razão que os professores também ensinam quando estão em greve.

Reaccionarismo e Elite

08.07.2019

Rui Tavares responde hoje a M. Fátima Bonifácio no mesmo jornal que publicou o artigo dela. Num texto com o título “O Neorreacionarismo e como o Combater”, ele argumenta que “a elite portuguesa — na academia, na imprensa e na política — não quis até agora fazer o esforço de dar espaço às minorias”. A elite é uma entidade que marca presença em muitos discursos políticos supostamente progressistas em Portugal, sem nunca ser contestada ou enfrentada. E que tal qualquer coisa de esquerda?

Mergulho no Abismo

06.07.2019

O racismo e a xenofobia não são opiniões ou pontos de vista pessoais: são julgamentos sociais. Dar espaço a artigos como o de M. Fátima Bonifácio hoje no Público é contribuir para o recuo de conquistas democráticas e para a desresponsabilização dos meios de comunicação e informação. É mergulhar no abismo.

A Importância do Importante

01.07.2019

É na política e na religião. Volta e meia cruzo-me com pessoas que defendem de modo obstinado, contra os factos registados pelos anos e séculos, que tudo permanece e deve permanecer na mesma. As comunidades políticas e religiosas fazem parte da dinâmica história e do tecido social. Desafiam e são desafiadas. Isso não quer dizer que o fundador, o essencial, não se mantenha. Mas as pessoas a que me refiro têm dificuldade em distinguir o essencial do que não o é. Algumas rejeitam liminarmente que tal distinção possa ser feita. Mas atribuir a tudo a mesma importância, não é pôr em causa a própria noção de importância? Assim se cegam os olhos e se endurece o coração.

Trabalho Colectivo e Contributo Individual

08.06.2019

A democracia interna do Partido encontra uma das suas mais elevadas e significativas expressões na direcção colectiva e no trabalho colectivo.

A democracia significa essencialmente a lei do colectivo contra as sobreposições e imposições individuais e sobretudo individualistas.

Isto não significa que a democracia menospreze o indivíduo, o seu valor e a sua contribuição. Ao contrário. A democracia estimula, motiva e mobiliza a capacidade, a intervenção, a vontade e a decisão do indivíduo. Mas, como grande mérito e superioridade do espírito e dos métodos democráticos, a democracia insere a contribuição de cada indivíduo no quadro da contribuição dos outros indivíduos, ou seja, insere a contribuição individual no quadro da contribuição colectiva, como parte constitutiva da capacidade, intervenção, vontade e decisão colectivas.

Isto é igualmente válido nas organizações de base e nos organismos mais responsáveis. Os dirigentes inserem também o seu trabalho individual no trabalho colectivo e as suas opiniões e propostas devem estar sempre abertas ao enriquecimento, ao melhoramento e à correcção.

No nosso Partido não encontra terreno favorável quem quer que compreenda a democracia como uma forma directa ou indirecta de fazer vingar as suas opiniões individuais.

De facto aparecem episodicamente camaradas que, em termos gerais, defendem a mais ampla democracia, de forma a que seja ouvida e atendida a opinião dos militantes, mas que de facto só reconhecem existir democracia quando impõem a sua opinião pessoal.

Se o colectivo a que pertencem concorda com as suas opiniões, a democracia (segundo eles) está a ser aplicada e então exigem naturalmente que todos cumpram o decidido, e contestam que outros camaradas continuem defendendo as suas opiniões próprias.

Mas, se o colectivo não aceita as suas opiniões e põe em prática as que são democraticamente decididas, então (segundo eles) já não existe democracia e, em nome da democracia, sentem-se no direito de, contra a opinião e as decisões do colectivo, defenderem as suas opiniões que não foram aceites.

Todos os membros do Partido têm o direito de expressar e defender a sua opinião no organismo a que pertencem, mas nenhum tem o direito de sobrepor ou querer sobrepor a sua opinião individual à opinião do colectivo, à opinião do seu organismo ou organização, à opinião do seu Partido.

ÁLVARO CUNHAL, O Partido com Paredes de Vidro

Os Olhos das PPP

05.06.2019

O Hospital de Cascais foi denunciado por falsificar dados para arrecadar mais dinheiro do Estado. Quando vos disserem maravilhas da gestão privada de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (PPP), lembrem-se disto: os grandes grupos económicos (com o nome Grupo Mello Saúde ou Lusíadas Saúde) entram neste sector com um olho para o negócio lucrativo, outro para os estratagemas que assegurem que assim seja, e nenhum para as reais necessidades dos utentes que possam impedir esses ganhos financeiros e a sua acumulação. Nada disso é surpreendente. O Estado só pode garantir o acesso aos cuidados de saúde, como consta na nossa Constituição, se rejeitar a sua mercantilização e privatização.

Agustina, Literatura e Classe

03.06.2019

Agustina Bessa-Luís foi a maior escritora burguesa que Portugal produziu. Encontramos nos seus espantosos livros um retrato expressivo e rigoroso da burguesia nacional que não quis cumprir, por apatia ou temperamento, o seu papel histórico no desenvolvimento da sociedade portuguesa. Mas chamá-la de corajosa, como ouvi hoje na televisão, talvez seja um epíteto que a própria rejeitaria. É certamente mais adequado para descrever uma mulher como Maria Lamas (1893-1983) — que virou as costas à classe burguesa no seio da qual nasceu e contribuiu activamente, antes e depois da Revolução de Abril, para uma transformação social que apagasse as classes e os seus antagonismos.

Testemunho de uma Luta

02.06.2019

Domingo da Festa da Ascensão e a Filipa lê-me uma passagem de um livro que lhe ofereci há pouco tempo: um testemunho singular de participação na luta colectiva pelo 25 de Abril. “O Partido Comunista Português, única vanguarda organizada da classe operária, disputa eleições com força e com seriedade, mesmo sabendo que em certas zonas do País o caciquismo reacionário e a influência da falsa igreja católica (chamamos falsos católicos aos que sempre estiveram e estão do lado do poder económico), essas forças conservadoras e cheias de ódio têm impedido e impedem, até pela violência, o esclarecimento político do povo.” Faz parte de uma intervenção num Comício no Prior Velho em 1975 de Urbano Tavares Rodrigues — quem havia de ser? O livro chama-se 21 Anos de Luta (Minotauro, 2019).

Direitos das Mulheres — Combater a Discriminação

29.05.2019

Ignorância Agressiva

11.04.2019

Duas breves notas para memória futura sobre o debate de ontem em Silves.

Escreveu-me uma ex-aluna brasileira que muito prezo e com quem tenho mantido contacto. Tornou-se professora em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Contou-me que a meio de uma aula sobre o construtivismo russo, um aluno lhe perguntou, em tom de ameaça, se ela tinha autorização para falar sobre comunismo na sala de aula. Dizia ela, pesarosa, que “este é o Brasil em que vivemos”. São dias medonhos em que a ignorância se alia à agressividade.

A Medalha e as Leituras

08.04.2019

Duas breves notas para memória futura sobre o debate de ontem em Silves.

Antes do debate veio um camarada ter comigo. (Não falou durante a discussão. Esteve sempre atentamente à escuta.) Foi com um olhar comovido que me mostrou-me uma medalha de São Domingos que trazia consigo, proveniente de Fátima. Disse-me que a levou consigo para a guerra colonial em Angola. Fez trabalho de esclarecimento contra a guerra colonial entre os soldados portugueses, nunca disparou contra as forças de libertação angolanas, seguindo as orientações do Partido Comunista Português. Fez tudo isso com a imagem de São Domingos em mente, da qual recolheu forças para a persuasão e a capacidade de evitar o conflito armado.

Houve outro camarada que, durante as intervenções da assistência, afirmou que a ciência defende o evolucionismo e a Igreja Católica defende o criacionismo. Eu disse publicamente que tal não é verdade. Tive oportunidade de continuar a conversa com ele depois da sessão. Parece-me que quem coloca as coisas nestes termos está confuso sobre o âmbito da religião, mas também sobre o da ciência. Quando me falou de Adão e Eva percebi o queria dizer. Alguns populares ateístas contemporâneos têm argumentado o seguinte, promovendo a ignorância: a Bíblia foi lida de forma literalista durante séculos e, nalgumas comunidades, deixou de o ser à medida que a ciência avançou no conhecimento. A Bíblia não é um conjunto de livros científicos, mas religiosos. Basta ler Santo Ireneu (c. 130-220), figura dos primórdios do cristianismo, que fala sobre Adão e Eva como crianças imaturas, simbólicas de toda a humanidade a ganhar consciência de si própria, para perceber que são os fundamentalistas cristãos que se colocam fora da tradição cristã ao optarem por leituras literalistas, teologiamente paupérrimas.

O PCP, os Católicos e a Igreja (Silves)

13.03.2019

Democracia Resistente

07.02.2019

Em Portugal, o jornalismo livre foi uma conquista da Revolução de Abril. É um direito fundamental e um pilar da democracia. Como noutras áreas, há quem abuse desse direito, assim o menosprezando, e quem ataque e abale esse pilar. Isto apenas para dizer que uma democracia que resiste à TVI e à Ana Leal deve conseguir resistir a tudo e mais alguma coisa.

Uma Simples Pergunta

05.02.2019


Fot. Tiago Petinga/EPA. Augusto Santos Silva e Delcy Rodriguez.

Basicamente, o Estado da República Portuguesa rompeu relações com o Estado da República Bolivariana da Venezuela ao declarar que o Governo em plenas funções nesse país é ilegítimo. Tentou depois enviar armas para um Grupo de Operações Especiais para proteger a embaixada sem comunicar com o Governo que deslegitimou e que, como é evidente, controla as fronteiras do país. Foram recambiadas. No mundo real, esta questão complexa que marca a actualidade não se reduz ao simplismo confuso de “apoiar” este ou aquele, ou nem este nem aquele, mas pede ponderação e sentido de estado. Tudo isto é espantoso, no pior sentido da palavra. Em que é que estas decisões ajudam a grande comunidade portuguesa na Venezuela? Faltando ao seu dever, o Estado Português não parece ter feito esta simples pergunta antes ou depois de cada decisão.

Comunidade Internacional

29.01.2019

Comunidade internacional. Podia descrever uma estrutura multilateral de países e dos seus governos como as Nações Unidas. Não costuma ser assim. Noam Chomsky não se tem cansado de argumentar que, na linguagem utilizada pelos grandes meios de comunicação ocidentais, aquilo que designa é apenas uma pequena parte do mundo: os EUA, os seus aliados (às vezes nem todos) e os seus clientes (de novo, às vezes nem todos). Mas a expressão é repetida até à exaustão porque tem o peso de um suposto consenso global e esconjura a análise crítica.

Problemas Estruturais

24.01.2019

O trabalho da polícia responde a necessidades sociais de defesa da segurança, de direitos, e da democracia e deve basear-se na proximidade com as populações e na sua confiança. Ou seja, a polícia deve ser a primeira a não tolerar a presença de violentos racistas e xenófobos nas suas fileiras e a investigar qualquer elemento e denúncia que a indicie. Generalizar, não. É uma questão de respeito pela verdade. Mas não se confunda a generalização com a análise estrutural. Há quem teime em dizer que o racismo e a xenofobia não existem como problemas estruturais em Portugal, indissociáveis do passado colonial, da divisão de classes, da realidade da pobreza, e da estratificação social. O país de que essas pessoas falam com os olhos fechados e as mãos sobre os ouvidos é que não existe.