Sem perspectivas na academia e sem apoio familiar depois de uma tragédia, fui trabalhar para a Fnac Colombo em 2002. Foi assim que entrei no “mundo do trabalho” depois de ter concluído a Licenciatura em Arquitectura. Fiz amigos para a vida e aprendi a realidade da exploração capitalista. O assédio diário para a superação de objectivos cada vez mais altos, as margens nos produtos a dilatarem, e os salários a continuarem baixos. No mundo das multinacionais retalhistas, na Fnac como na Jerónimo Martins, sabe bem aos donos pagarem tão pouco. O desrespeito pelos trabalhadores era quotidiano. Até um simples banco para descansos momentâneos durante as 8 horas de trabalho de pé teve de ser conquistado. Foi uma experiência marcante que não me fez ser de esquerda, que já era, mas que foi a raiz de me ter tornado comunista — de vez. Talvez Alexandre Soares dos Santos tivesse muitas qualidades humanas. Certamente que o seu falecimento pesa sobre a sua família. Sou sensível a essa dor. Reconheço também o mérito de algumas iniciativas da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Mas os repetidos elogios públicos por ele ter construído um império reflectem os valores dominantes na nossa sociedade que me empenho em combater. Sei de conhecimento directo como ele construiu esse império e ponho-me a pensar no facto de se ter declarado cristão várias vezes. A fortuna que acumulou está em flagrante contraste com o sentido do Evangelho. E aos cristãos cabe a rejeição do império, seja qual for a sua forma, por duas razões. Primeiro, porque conheceram a opressão que é sempre o reverso do império. Segundo, porque conheceram a sedução do poder do império. No fundo, porque os cristãos sabem que Jesus não se colocou ao lado dos ricos e poderosos num mundo injusto, de domínio de uma classe sobre outra. E que, mesmo sob pena da crucificação, é nesse caminho de libertação que encontram a liberdade.