Três Vitórias
Como é que é? Quem luta por condições laborais dignas nem sempre vence, mas quem não luta, perde logo à partida. A primeira vitória dos estivadores foi não terem desistido. Para isso muito contribuiu a solidariedade de outros sindicatos, de forças políticas de esquerda, PCP e BE, e da Igreja Católica, na voz do Bispo de Setúbal. A segunda vitória foi o exemplo que deram à sociedade portuguesa e a quem quer que ela progrida. Pelas minhas contas, esta é a terceira vitória.
Um Crime Sem Nome
Critica-se o facto de a China Three Gorges Corporation controlar a EDP. Sem dúvida, o sector da energia, estratégico nos campos económico e social, deve ter controlo público em Portugal. Mas quem a vendeu? O foco na RPC é uma forma de desresponsabilizar politicamente os governos do PS, PSD, e CDS que levaram a cabo a segmentação e privatização da EDP entre 1997 e 2011. Um crime sem nome, entre muitos outros.
Uma Lição Inesquecível
O meu episódio favorito sobre o PCP e a religião passou-se na recta final da implantação de uma Festa do Avante, no dia de abertura, e envolveu um camarada muçulmano. Entre o meio-dia e o pôr do sol, eu e a Filipa (que pode confirmar estes acontecimentos) fomos buscar o carro a um dos parques de estacionamento. Quando nos aproximámos da saída, reparámos que o camarada encarregado de abrir e fechar o portão estava a fazer a terceira oração do dia (“Alá-sari”). Esperámos. Quando terminou, veio ter connosco para agradecer a compreensão. “Ora essa”, dissemos nós. O que há de extraordinário neste episódio inesquecível? Não é apenas a constatação da diversidade que convive no interior do PCP, que se traduz numa variedade de contributos para um projecto comum. É o facto de este homem religioso, de uma religião minoritária em Portugal e no PCP, ter demonstrado que as suas convicções religiosas eram respeitadas ao ponto de se sentir confortável para fazer as suas orações diárias (“Salá”) no contexto de actividades partidárias. Continua a ser uma lição para mim que tenho o dever de partilhar. Desmente melhor do que qualquer conversa abstracta a ideia feita — isto é, a ideia falsa — segundo a qual não há lugar para pessoas convictamente religiosas no PCP.
Questões Críticas
O que sobra da política se recusar a importância das questões estruturais numa comunidade? O que resta da democracia se não se fundar no complexo diálogo entre multiplicidades e diferenças? Questões críticas, hoje, em Portugal.
Seis por Cento
Costumo evitar entrar em polémicas, sobretudo quando o espaço público está contaminado à partida por uma distorção de votações de propostas concretas e posições assumidas, que nos diz mais sobre os preconceitos de quem comenta do que sobre os parâmetros da questão em discussão. O que se votou na Assembleia da República não foi a descida do IVA das corridas de touros para 6%, foi o alargamento da redução do IVA a todos os espectáculos como aconteceu até 2012, quando o Governo PSD/CDS-PP os aumentou para a taxa intermédia. A proposta para o OE2019 excluía da redução alguns espectáculos e recintos (incluindo sessões de cinema ao ar livre) sem suporte na lei em vigor, em particular no Decreto-Lei n.º 23/2014 (que define o regime de funcionamento dos espetáculos de natureza artística e de instalação e fiscalização dos recintos fixos destinados à sua realização).
Não aprecio touradas. É uma posição pessoal que penso que pode ser transformada em posição política com o devido respeito democrático. Sei que as touradas têm expressão popular em muitas regiões do país. Sou, portanto, contra a sua proibição ou discriminação a nível central. A história recente mostra-nos a violência social gerada por esse tipo de decisão. Sou pelo avanço da discussão cívica sobre esta questão e pela tomada de posição local, como aliás tem vindo a acontecer. Por exemplo, a exclusão das garraiadas defendida pelo presidente da União de Freguesias de Alverca do Ribatejo e Sobralinho, Carlos Gonçalves da CDU (PCP-PEV), há poucos meses, apoiada por todas as forças políticas da junta. É apenas um exemplo.
Clara Opção
O Governo do PS não intervém em favor dos trabalhadores para combater o seu tratamento como descartáveis há mais de 20 anos, compondo uma larga maioria sem a qual o Porto de Setúbal não funciona, contratada ao dia, nalguns casos com mais de 40 turnos por mês, permanentemente precários mas com contas para pagar todos os meses. Mas intervém com o braço musculado da polícia em favor dos patrões. Clara opção. A de quem não aceita a exploração laboral e a injustiça social deve ser igualmente clara.
Resistência, Presente!
Bolsonaro, presidente. Resistência, presente! “Nós que ajudámos a construir uma democracia no Brasil, temos de fazer de tudo para a manter”, disse Fernando Haddad num discurso de união e de coragem. É preciso lembrar, até porque os jornalistas não o fazem, que o PT elegeu a maior bancada do Congresso Nacional na primeira volta. Somem-se os deputados do PCdoB, PDT, PROS, PSB, e PSOL. Quem perdeu deputados a rodos foi o MDB de Temer para o PSL de Bolsonaro. Bate certo: o PSL tem sido um dos apoios legislativos do ruinoso governo de direita neoliberal chefiado por Michel Temer. Houve anúncios de autoritarismo, mas haverá de certeza a tentativa de acelerar esse processo. É outra coisa pouco lembrada para que seja esquecida: o Governo Federal do Brasil já não é liderado pelo PT há mais de dois anos. Sim, resistência, presente! Não só nas instituições e nos partidos políticos, mas na rua, nas associações culturais e cívicas, nos movimentos sociais e populares, nos sindicatos. O meu abraço de força e solidariedade.
Nota para o Futuro (2)
Escreve Gabriel Mithá Ribeiro no Observador, depois de um conjunto de artigos em defesa de Bolsonaro: “Portanto, é hoje muitíssimo mais fácil encontrar tentações totalitárias nos Davides Dinises do que nos milhões de apoiantes de Jair Bolsonaro.” Portanto, é fácil de deduzir o papel que este jornal pode vir a ter no futuro em Portugal pelo papel que já hoje tem. Outra nota para o futuro a juntar à de ontem.
Mithá Ribeiro argumenta ainda de modo desculpabilizador que “nunca se comprovou ser possível predizer comportamentos (o que se faz) através da verbalização de atitudes (o que se diz)”. Ou como já disse a actriz Regina Duarte de forma mais colorida: “quando conheci Bolsonaro encontrei um cara doce, um homem dos anos 1950, como meu pai, que faz brincadeiras homofóbicas da boca pra fora, um jeito masculino... que chamava o brasileiro de preguiçoso e dizia que lugar de negro é na cozinha; sem nenhuma maldade”. O discurso político é, em si, um comportamento. E este tem incitado comportamentos violentos, mostrando como o futuro do Brasil pode ser tenebroso. Não é “jeito masculino”. É jeito fascista.
Nota para o Futuro (1)
Vem no jornal Público. Jaime Nogueira Pinto e Nobre Guedes (CDS) votariam em Bolsonaro. João César das Neves votaria em Haddad “porque teme pela democracia brasileira na alternativa”.
Nacionalismo Metafísico
Como qualquer pessoa convictamente religiosa, não consigo separar a política dessas convicções profundas. Não consigo separar nada, aliás, tendo em conta a dimensão existencial dessas convicções. (Bem sei que houve comunistas que perseguiram cristãos e cristãos que perseguiram comunistas. Tanto erraram os primeiros como os segundos. Tanto me distancio de uns como de outros. E não poderia pertencer a um partido anti-cristão, como é evidente.) Mas fora desse plano pessoal, no plano social, a separação entre a religião e a política é essencial numa sociedade democrática, pluralista, onde há quem tenha crenças diferentes e quem não as tenha sequer. Seja como for, a religião é também uma linguagem com raízes populares. Por essa razão, volta e meia, o discurso político recorre a ela. Por exemplo, em 2012, Jerónimo de Sousa (PCP) descreveu os lucros da GALP, nos quais o Governo PSD/CDS-PP não queria tocar enquanto o preço dos combustíveis aumentava, como um bezerro de ouro, isto é, como um objecto indignamente adorado. Atento como estou a estes usos, dei por mim a analisar o slogan da candidatura de Jair Bolsonaro que tantos cristãos brasileiros repetem: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.” Portanto, o Brasil acima de Deus. A expressão que me ocorre para designar esta idolatria política e heresia religiosa é nacionalismo metafísico.
O Excepcionalismo Português
Há o chamado “excepcionalismo americano”. E há o dito “excepcionalismo português”. O racismo e a xenofobia não existem. O colonialismo não deixou marcas. O machismo é invenção. O fascismo sumiu de um dia para o outro. O populismo não entra. Pois bem, para quem insiste na distracção, o caso da publicação das imagens de três detidos exibidos como troféus sem direitos é exemplar. Não é só o facto de terem sido publicadas por um grupo de polícias organizados, mas a avalanche de reacções que se lêem sobre elas: que quem defende os direitos dos presos “está a defender estes criminosos ou outros iguais a eles”, que foi “absolutamente inaceitável só porque não foi a tua mãezinha que foi espancada”, que “nenhum desses cabrões está a sangrar como era devido, é que não há um arranhão, nada”, que foi uma “pena que não os pudessem metralhar logo ali… evitava que os meus impostos ainda servissem para os alimentar”. Este autoritarismo que despreza direitos democráticos básicos está entre nós e tem raízes. Trabalhemos para que não tenha futuro.
Cerrar e Barrar
Caetano Veloso insurgiu-se hoje contra um texto violentíssimo publicado no Facebook por Olavo de Carvalho, muito influente ideólogo da direita reaccionária brasileira. Entre outras coisas, Olavo escreveu isto: “Eles não estão lutando pelo poder nem para vencer uma eleição, estão lutando pela sua sobrevivência política, social, econômica e até física.” Leiam e releiam a última palavra no contexto desta frase. Vejo ainda gente de esquerda, progressista e democrata, confusa e a confundir em vez de cerrar fileiras e barrar o caminho ao fascismo. Acordem. Apoiem activamente a candidatura de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila. Defendam a democracia e as conquistas sociais do povo brasileiro.
Haddad & Manu 13
Não voto para as eleições brasileiras. Não sou cidadão brasileiro. Une-me ao Brasil, a língua, muitas e grandes amizades, e a solidariedade com as forças progressistas desse país. Muitas pessoas têm repetido que é preciso derrotar Bolsonaro e a extrema-direita, a que nega a fraternidade e a igualdade, criminaliza os pobres, menospreza as mulheres, maltrata as minorias, apela à violência, defende a tortura, desvaloriza os serviços públicos, e advoga a restrição dos processos democráticos. Para isso, como a campanha para a primeira volta demonstrou, não basta dizer não, é necessário dizer sim a um projeto político alternativo a este. A verdade é que quando o #EleNão explodiu, a subida de Haddad/Manu parou e Bolsonaro/Mourão subiu. Este é talvez o efeito de um jogo populista que é perigoso jogar: quando muita gente se posicionou contra Bolsonaro sem declarem quem apoiavam, isso colocou-o no centro das eleições e caracterizou-o ainda mais como uma “novidade”, uma “lufada de ar fresco”, que vinha resolver problemas que se acumularam. Isto tudo para dizer algo muito simples. Não sei se quem votou em Bolsonaro/Mourão vai mudar de voto e uma pequena percentagem de quem votou noutras candidaturas poderá transferir o voto para essa candidatura na segunda volta. O voto em Bolsonaro parece ser mais de protesto e menos de convicção. Mas será preciso mobilizar quem não votou na primeira volta para que votem e escolham Haddad/Manu. Será preciso fazer campanha por Haddad/Manu para ganhar a segunda volta. Será preciso dizer sim, em vez de dizer apenas não.
Homo Consumens
Vê-se o trágico declínio da política, cujo centro deve ser o bem comum, e o triunfo do individualismo contemporâneo nalgumas reacções à justa luta dos taxistas. Nessas manifestações fala apenas o consumidor, não o actor social consciente das suas acções. A ideologia é espessa, mas esta é uma discussão crítica. Na situação actual, passam a existir dois regimes com regras diferentes para um mesmo serviço e uma mesma profissão. Um com preço fixo, outro com preços desregulados. Um exigindo formação profissional, outro dispensando-a. Um com contingentes, outro sem contingentes. As viagens da Uber são baratas e fantásticas até as coisas correm mal numa transacção e a multinacional dizer que age apenas como intermediária, sem lhe poderem ser imputadas responsabilidades. A gigante já defendeu várias vezes que não disponibiliza sequer um serviço, mas somente uma plataforma de comunicação. Os motoristas não são empregados, são colaboradores independentes. Há automóveis que são dos próprios, pagos e mantidos por eles. Outros são alugados. O pouco dinheiro das viagens vai quase todo para a própria Uber, claro: quanto menos o cliente paga, maior é a taxa cobrada pela Uber aos motoristas. Alguns trabalhadores são proprietários dos meios de produção, mas nem assim ficam com o fruto do seu trabalho — suprema dominação. É uma questão de conflito de classes. O capitalismo pode usar muitas máscaras, mas a sua natureza mantém-se, aproveitando todas as oportunidades para intensificar a exploração no e do trabalho. É certo que as condições de trabalho neste transporte público devem ser melhoradas e o sector necessita de ser modernizado (ver a este propósito o Projecto de Resolução do PCP aprovado este ano na Assembleia da República). Mas a “uberização” da economia que se alastra não é um admirável mundo novo, é um claro retrocesso com brilho digital. Não nos deixemos encandear.
Por Outra Europa
Eis a campanha de apelo ao voto nas eleições para o Parlamento Europeu promovida pela União Europeia. Se o cartaz fosse assinado pela AfD, a Lega, a Fidesz ou outra força xenófoba europeia — e podia ser — era noticiado. Como não é, passa despercebido sem desmascarar a flagrante hipocrisia. Se a expressão verbal dos ditos “valores europeus” choca, imagine-se o que é ser esmagado todos os dias pelas políticas que os concretizam. Mas imaginar neste caso é dar um passo para fora da realidade, talvez sem a ela regressar. Em vez disso, repare-se. Basta abrir os olhos e olhar em redor.
Efeitos e Causas
Querer combater os efeitos com sanções de exclusão do Conselho Europeu (orgão de definição da política para todos os estados-membros da União Europeia, mesmo os assim excluídos) sem ter em conta o modo como isso alimenta ainda mais as causas, terá consequências desastrosas. Ir à raiz económica, social, e política da expansão da extrema-direita na Europa e considerar os resultados objectivos de tais coacções talvez não seja imediato. E, no entanto, é isso que este momento exige. Entretanto, Jean Claude-Juncker anunciou uma guarda costeira com 10 mil agentes para “proteger as nossas fronteiras exteriores”.
11 de Setembro
No rescaldo do ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001, a esquerda internacionalista e anti-imperialista estado-unidense, com a participação decisiva de comunistas e seus aliados, criou uma palavra de ordem: “O nosso luto não é um chamamento para a guerra.” Em relação ao golpe patrocinado pela CIA a 11 de Setembro de 1973 no Chile, a mesma esquerda poderia dizer algo assim: “O nosso luto é um chamamento contra a guerra.”
Uma Voz Deste Lado da Trincheira
Apesar do cultivo do preconceito, da persistência da manipulação, da falta de análise crítica, da celebração do oportunismo, há vozes que furam essas barreiras deste lado da trincheira. O Miguel foi sempre uma delas, com o desassombro e a força próprias de quem alimenta e é alimentado por um colectivo. Uma entrevista a ler com a devida atenção. De punho erguido e olhos num futuro que supere as gritantes contradições do presente — um futuro que nos cabe construir.
Discursos Viscerais
O comissário europeu Carlos Moedas (do PSD) diz que BE e PCP têm um “discurso visceral contra as empresas”. Acrescenta que é preciso “levantar a voz contra esse tipo de discurso”. Quase o ouvimos cantar: “De pé, ó vítimas da fartura! De pé, fartos da terra!” Moedas reproduz um discurso em que o preconceito é vestido de senso comum. Um discurso que esconde a realidade das posições e propostas políticas. Um discurso que promove a desinformação e a ausência de pensamento crítico.
A CDU tem disputado eleições com candidatas e candidatos, por vezes como cabeças de lista, que são empresárias e empresários. Algumas e alguns são militantes do PCP. Basta consultar as listas das últimas eleições autárquicas.
O PCP promove encontros regulares com micro, pequenos e médios empresários — o último foi há dois meses (intervenção de Jerónimo de Sousa). E em 2003 promoveu um encontro nacional sobre este sector (declaração final).
O PCP tem reunido regularmente com as organizações das micro, pequenos e médios empresas (MPME), nomeadamente com a CPPME – Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (declaração da reunião em 2013 e registo da reunião em 2016).
O PCP tem apresentado Projectos de Resolução e de Lei e um conjuntos articulado de medidas legislativas na Assembleia da República (declaração em Janeiro de 2017) sobre as MPME, o emprego e o crescimento económico.
Ou seja, trata-se de uma linha de trabalho político fundamental para o PCP. O discurso do PCP não é contra as empresas: é contra os monopólios capitalistas e a exploração laboral.
Em 2010, o PCP lançou uma campanha, “Portugal a Produzir”, que afirmava o valor estratégico da produção nacional e o aproveitamento das potencialidades do país, para a criação de emprego, o combate à dependência externa e a afirmação de uma via soberana de desenvolvimento. No final dessa campanha, em 2011, foi publicado um livro com análises e contribuições ainda muito actuais. Essa publicação pode ser descarregada aqui.
Lê-se nesse volume:
As MPME têm um papel fundamental na economia nacional, pois são as principais responsáveis pela criação do emprego e da riqueza. Se considerarmos, daqui para a frente, as sociedades não financeiras, excluindo a agricultura, caça e silvicultura, existiam em Portugal, em 2008, cerca de 350 mil MPME, 99,7% de todas as sociedades, que representavam 72,5% do emprego, 59,8% do valor acrescentado bruto (ao custo de factores, V ABcf) e 60,9% do investimento (FBCF) do total das sociedades (não financeiras). (26)São as MPME que sofrem, simultaneamente, o embate da concorrência internacional nos mercados interno e externo, os preços de monopólio de vários factores de produção estratégicos, o aperto dos grandes grupos de distribuição nacionais e a insuficiência e discriminação dos apoios públicos nacionais e comunitários, particularmente no que concerne às micro e pequenas empresas.
[...]
Contudo, tem emergido nos últimos anos um número cada vez maior de empresas, seja em áreas tradicionais, seja em áreas mais modernas, que apresentam elevados padrões de inovação, investigação, produtividade e competitividade, mesmo em mercados internacionais de elevada concorrência. Trata-se ainda de ilhas, embora nalguns sectores já com relevância, cujos efeitos de demonstração e de réplica relativamente a muitas das outras empresas deve ser acompanhado e acarinhado a escalas cada vez mais maiores.
É necessário que o Estado intervenha para auxiliar as MPME a superar as suas dificuldades intrínsecas, nomeadamente apoiando a sua modernização tecnológica e organizacional, para pôr fim aos abusos da sua dependência económica, nomeadamente garantindo-lhes o acesso ao mercado público e beneficiando-as no crédito e investimento públicos, mas sobretudo para contrariar o sufoco e a predação de que são alvo dos grandes monopólios, nacionais e estrangeiros. A nacionalização do sector energético e financeiro, acompanhada de uma política de discriminação positiva das MPME, contribuindo para lhes diminuir os custos dos factores de produção, constituiria para estas empresas um enorme balão de oxigénio. De modo geral, cada passo dado na luta contra o poder dos monopólios e no reforço de um reconstituído e renovado sector empresarial do Estado é um passo dado na protecção e auxílio às MPME. (74)
Um Convite à Ideologia Fascista
Adenda sobre o debate no Prós e Contras de ontem. A Constituição da República Portuguesa aprovada na sequência do 25 de Abril de 1974 proíbe associações que perfilhem a ideologia fascista (artigo 46.º). O fascismo alimenta ódios socialmente destrutivos quando defende a absoluta supremacia de um grupo nacional, sócio-económico, religioso, étnico, ou racial sobre outro. Não é apenas antidemocrático no autoritarismo que lhe é essencial (habitualmente formalizado na obediência a um líder todo-poderoso), faz recuar a democracia em vez de a fazer avançar. Corrói-a por dentro. A Nova Portugalidade que defende a “(re)conquista” e a “civilização portuguesa” é uma organização fascista, braço da extrema-direita para ganhar espaço no espaço público, nomeadamente nas universidades. Tendo em conta o nosso enquadramento constitucional, como pode um membro desta organização ser convidado para participar num debate na televisão pública? Mais: independentemente do impedimento legal, como puderam os meus colegas da Universidade Nova de Lisboa (João Paulo Oliveira e Costa) e da Universidade de Coimbra (Carlos Fiolhais) manter-se daquele lado e ao lado de quem estavam quase sem demarcação no discurso? E, já agora, como puderam defender pontos de vista com os quais o convidado fascista concordou com acenos de cabeça, sem lerem imediatamente de forma ideológica esta concordância? Questões inquietantes. Estamos alerta.
Um Discurso do Passado Ditatorial
Entre outras coisas, disse-se ontem no Prós e Contras que Cabo Verde é “um país forjado com escravos” (com imagens seleccionadas a dedo e tudo). Não se disse que Cabo Verde é um país que nasceu de um processo de independência. Uma leitura histórica que apaga a luta libertadora dos povos oprimidos pelo colonialismo português (e o PAIGC e Amílcar Cabral, neste caso) é um discurso do passado ditatorial, não do presente democrático. É urgente descolonizarmos a história e os museus.
Política Leviana
O Orçamento do Estado para 2019 ainda não existe, mas Assunção Cristas já veio dizer que o CDS vai votar contra. Ainda no mês passado um deputado centrista falava na Assembleia da República sobre a necessidade de “proteger a seriedade na política”. Vai daí o seu partido decide promover a leviandade na política.
Um Pilar da Democracia
Sem acesso generalizado a educação de qualidade, a democracia perde fundamento crítico e participação consciente. Torna-se numa sombra de si. Desvanece-se. A educação é um pilar da democracia. Por isso, uma forma de medir o atraso ou o avanço de uma democracia, de determinar a grandeza do seu desenvolvimento, é o modo como se tratam e olham os professores: se não dignificados ou não, se são respeitados ou não, se são defendidos ou não. Cada luta justa dos professores em Portugal revela uma imensa solidariedade, nomeadamente de colegas de escola, de estudantes, e de encarregados de educação. Mas demonstra também que ainda temos muito para andar na democratização da sociedade portuguesa. Não podemos desistir de fazer esse caminho.
Negociar e Faltar à Palavra
Foi bom ouvir Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia serem claros com o Primeiro Ministro António Costa, insistindo no que está em discussão. E é uma discussão política da maior importância. Não se trata apenas do repugnante ultimato do Ministério da Educação (“ou aceitam a recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias ou retiramos essa proposta e não aceitamos recuperar tempo nenhum”), mas sobretudo da demonstração de má-fé do Governo. Foi assumido um compromisso em Novembro de 2017, formalizado num artigo no Orçamento do Estado que estabelecia a recuperação “do tempo de serviço” (assim mesmo, com artigo definido e negociado). Nem é preciso mencionar as recomendação aprovadas na Assembleia da República, incluindo da parte do PS, sobre esta questão. O que há a negociar entre os sindicatos e o Governo não é o tempo de serviço a recuperar. Para ver o seu OE aprovado, o Governo concordou que era todo. O que há a negociar é apenas a forma como essa recuperação se dará. Foi porque os sindicatos demonstraram flexibilidade para negociar a recuperação de forma faseada que se chegou a um compromisso no ano passado. Os professores têm toda a legitimidade para esperar a negociação da forma de recuperação e não do tempo recuperado. O Governo está fazer tábua rasa daquilo com o qual concordou.
À Boleia
À boleia de uma posição política densa, houve quem se dedicasse a escrever coisas verdadeiramente inacreditáveis sobre o Partido Comunista Português nos últimos dias. Coisas que repetem ideias feitas, que revelam ódios de estimação, como se quem as escreveu estivesse apenas à espera de uma desculpa. Coisas que eu nunca escreveria sobre qualquer organização política, não só por pudor, mas por respeito democrático. Coisas como a sobranceria e o paternalismo acerca dos seus membros, o recurso a dicotomias fáceis, o uso de epítetos em vez de argumentos, enfim, o desconhecimento profundo disfarçado de conhecimento simplificado sobre um partido com uma composição transversal onde militam mulheres e homens que trabalham nos mais diversos sectores, com diferentes características, formações, idades, experiências de vida, gostos, com órgãos próprios, democraticamente eleitos e muito activos. O Facebook é uma janela demasiado pequena e virtual onde não é fácil dialogar. A caracterização grosseira agrava essa dificuldade. Na realidade, quem conheça militantes comunistas de carne e osso, quem já tenha colaborado com elas e com eles, quem já tenha visto como estudam os temas, fazem propostas, e intervêm nos órgãos de poder regional, local, e central, considerará esta avalanche de impropérios algo absurdo, a raiar o irracional. No meio de tantas trocas de palavras, demasiadas vezes surdas, encontrei este comentário do insuspeito Rui Zink: “Aliás o PCP tem tradição de ponderar os assuntos com a seriedade devida, prática ética menos óbvia nos outros partidos. E isso não é retirar-lhes seriedade, é apenas que o PC (mesmo quando ‘pensa ou decide errado’) sofre e mastiga um bocado mais a questão em questão.” Para mim, isto rima com algumas boas conversas que fui tendo nos mesmos últimos dias. O resto são coisas que talvez só se expliquem com a força singular e persistente daquilo que se tenta denegrir. Avante.
Spontaneous and Acquired Political Consciousness
We have not, in our time, moved from socialism to apathy or reaction, whatever the pessimists may consider. We have moved instead from socialism to anti-capitalism. That is hardly much of a shift at all, and one which is in any case entirely understandable in the light of recently actually existing socialism; but it is, even so, a backsliding.
You can attain anti-capitalist consciousness simply by looking around the world with a modicum of intelligence and moral decency, but you cannot attain a knowledge of global trade mechanisms or the institutions of workers’ power in this way. The distinction between spontaneous and acquired political consciousness, whatever historical disasters it may have contributed to, is itself a valid and necessary one.
— TERRY EAGLETON, “Lenin in the Postmodern Age”, in Lenin Reloaded: Toward a Politics of Truth
Um Intenso Ódio de Classe
Fot. Francisco Proner/Reuters.
O Partido dos Trabalhadores (PT) cometeu erros políticos graves, sem que eles apaguem os seus muitos acertos. Mas como escreveu Frei Betto, certeiro, acatou “uma concepção burguesa de Estado, como se ele não pudesse ser uma ferramenta em mãos das forças populares, e merecesse sempre ser aparelhado pela elite”. A instrumentalização política das instituições de poder, a que se assiste desde o golpe, não pode ser desligada desses erros. Seja como for, vale a pena observar com atenção o ódio que sectores da sociedade brasileira (e não só) têm a Lula da Silva. É um intenso ódio de classe. E é isso que há-de ser derrotado com a nossa solidariedade.
Apelo pela Cultura
Gente aos montes em Coimbra. Defendem a importância fundamental de um serviço público de cultura para uma democracia plena. A dignidade de quem trabalha no sector. O acesso generalizado aos bens culturais. A luta continua!
O Estranho Silêncio
Habituámo-nos a ler e a ouvir comentários vindos da direita conservadora e liberal de que as greves no sector dos transportes não existem porque as trabalhadoras e os trabalhadores são obrigados a defender, como força organizada, a sua dignidade face às condições laborais a que estão sujeitos. Não. Existem porque, enfim, as empresas são públicas. Se fossem privadas, tal não aconteceria. (Fica sempre a ameaça no ar de que o direito à greve, que por vezes é a única via de contestação, custando a perda de rendimentos a quem é assalariado, é uma espécie de “regalia”.) Por isso, estranho o silêncio dessas pessoas sobre a greve na Ryanair, uma empresa privada irlandesa. Uma greve que tem escancarado a intimidação a que estão sujeitas as trabalhadoras e os trabalhadores da empresa em greve em Portugal e aquelas que se têm solidarizado com esta luta noutros países. Talvez seja isso: é uma situação em que se vê a face monstruosa do capitalismo que alguma opinião prefere ignorar ou ocultar.
Trabalhadores Precários do Ensino Superior Protestam
Os trabalhadores precários do ensino superior em Portugal protestam contra o bloqueio no PREVPAP. Passou por aqui, mesmo agora, um britânico para nos dizer que lá é igual: a ideologia neoliberal a triturar a vida e a dignidade das pessoas. Internacionalismo na prática. Vídeos do protesto aqui.
Anti-Anti-Communism
This article by Kristen R Ghodsee (Professor of Russian and East European Studies, University of Pennsylvania) and Scott Sehon (Professor of Philosophy, Bowdoin College) on the merits of taking an anti-anti Communism stance is very thoughtful.
I was recently in Slovakia and, if I had lived in socialist Czechoslovakia, I would’ve been a clandestine Christian (and I met people who lived like this), because religious orders were prohibited and I belong to the Dominican Order. This infringed on the fundamental right of freedom of religion. It was quite interesting to listen to people compare the past and the present and tell their different (and sometimes differing) stories. I learned a lot.
As for my comrades, we do well to study socialist experiences openly and not defensively, examining their deviations and crimes, instead of leaving this task to others who are politically motivated to spread the idea that there are no transformative alternatives to the class warfare of capitalism, making use of racism, xenophobia, misogyny, homophobia, and Islamophobia. The Dominican Order is often associated with the Inquisition, even though some notable Dominicans were tried by inquisitional tribunals (e.g., Meister Eckhart). Dominicans are among the most dedicated researchers on this topic today. It makes sense. And how many socialists/communists were tried, convicted or summary killed in socialist countries (e.g., in the Stalinist Great Purge)? I know some are still nostalgic about the Soviet Union and the Eastern bloc — as if they didn’t collapse because they were collapsing internally, despite the fact that this event had destructive consequences, not just in these countries, but also in their capitalist neighbours. That’s a blind and even ahistorical attitute. We need to look to the future and do it with a progressive mind, making sure that socialism never surrenders its commitment to democracy and freedom.
An excerpt:
Conservative and nationalist political leaders in the US and across Europe already incite fear with tales of the twin monsters of Islamic fundamentalism and illegal immigration. But not everyone believes that immigration is a terrible threat, and most Right-wing conservatives don’t think that Western countries are at risk of becoming theocratic states under Sharia law. Communism, on the other hand, provides the perfect new (old) enemy. If your main policy agenda is shoring up free-market capitalism, protecting the wealth of the superrich and dismantling what little is left of social safety nets, then it is useful to paint those who envision more redistributive politics as wild-eyed Marxists bent on the destruction of Western civilisation.
What better time to resurrect the spectre of communism? As youth across the world become increasingly disenchanted with the savage inequalities of capitalism, defenders of the status quo will stop at nothing to convince younger voters about the evils of collectivist ideas. They will rewrite history textbooks, build memorials, and declare days of commemoration for the victims of communism — all to ensure that calls for social justice or redistribution are forever equated with forced labour camps and famine.
Responsible and rational citizens need to be critical of simplistic historical narratives that rely on the pitchfork effect to demonise anyone on the Left. We should all embrace Geertz’s idea of an anti-anti-communism in hopes that critical engagement with the lessons of the 20th century might help us to find a new path that navigates between, or rises above, the many crimes of both communism and capitalism.
A Admirável América
A América, a admirável América que eu conheço e que tantas vezes o simplismo tenta apagar, inundou Washington DC e outras cidades numa marcha pelas vidas. Foram muitos milhares contra a violência provocada pelas armas de fogo e pelo direito à segurança.
Brasil e Portugal em Luta
Muitas e muitos colegas no Brasil, que conheço e com quem trabalho, esperam de nós aquela solidariedade que alimenta o alento. E é neste preciso momento que a Guiomar Ramos (UFRJ) me mostrou um documentário que está a finalizar sobre o seu pai, Vítor Ramos. Foi comovente e inspirador ver e ouvir “Por Parte de Pai”, pesquisa simultaneamente pessoal e histórica que põe em diálogo discursos e vozes. Vítor nasceu em Portugal em 1920 e envolveu-se desde cedo na luta antifascista, tendo militado no MUD Juvenil e no Partido Comunista Português. Esteve na clandestinidade nos anos 40. Foi perseguido pela PIDE. Passou por Paris, doutorando-se em Literatura Francesa na Sorbonne e aí conhecendo uma jovem brasileira, Dulce Helena, com quem casou em 1955. Ensinou literatura francesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em Assis, na Universidade de São Paulo, e na Universidade da Califórnia, Davis. Em São Paulo, vigiado pelo DOPS, fundou o jornal Portugal Democrático que se tornou na grande bandeira de luta e resistência da diáspora portuguesa, denunciando com veemência a opressão salazarista. O dia 25 de Abril de 1974 foi também o dia do seu 54.º e último aniversário. A revolução foi talvez o melhor presente que podia ter tido. Ou seja, entre outras coisas, o filme da Guiomar demonstra a ligação de resistência política à ditadura e de luta pela democracia entre o Brasil e Portugal no século XX. É importante reavivarmos essa memória. Mas é igualmente importante assumirmos as responsabilidades de luta empenhada que o presente exige a partir dessa memória.
Um Amanhã de Dívida
Linhas de crédito para estudantes do ensino superior e estruturas culturais. Eis a solução do Governo. Em vez de assegurar a democratização no acesso aos politécnicos e universidades. Em vez de apoiar a concretização do direito à fruição e criação cultural. Chama-se a isto hipotecar, comprometer, o futuro. Perante um presente de défice, o Governo propõe um amanhã de dívida.
O Que Importa
Ao comprar o bilhete de comboio para Coimbra, o funcionário da CP desdobra-se em justificações sobre a greve dos trabalhadores da IP Infraestruturas de Portugal e os serviços mínimos. Disse-lhe que tinham todo o meu apoio. Perguntou-me de onde vinha, certamente por causa da mala de viagem. Respondi-lhe que vim da Eslováquia. Comentou que eu devia querer chegar a casa. Concluí dizendo-lhe que sim, claro, mas que não me importava de chegar um pouco mais tarde — e me importava muito se faltasse à solidariedade com quem se bate por condições laborais mais dignas e justiça salarial.
Temeridade
Escreveu-me um colega brasileiro da PUC-Rio com quem tenho trabalhado. O Brasil regrediu em diversos sectores, o conflito entre classes sociais está exposto, a militarização do espaço público está formalmente em marcha. Como ele escreve, é preciso seguir com “temeridade e uma certa constrangida obstinação”. É necessário defender a democracia. Um abraço solidário nessa luta.
Adriana
Digamos que há coisas que correm numa família por mais estranhas que pareçam aos olhos toldados pela desatenção e às cabeças povoadas por ideias-feitas. No ano passado, morreu-me um tio muito próximo. Entre os objectos da casa onde ele vivia, descobri o cartão de militante do Partido Comunista Português da minha tia-avó, que o acolheu em Lisboa, sob um terço e alguns artigos de devoção mariana dela. Chamava-se Adriana. Era alentejana de Estremoz. Veio para Lisboa, onde trabalhou como empregada doméstica. Filiou-se no PCP em plena Revolução de Abril, antes da aprovação da Constituição. Era católica e comunista.