Talvez custe ler ou ouvir, mas aqui vai: o amesquinhamento de Boris Johnson como ignorante (que não é) e de Donald Trump como idiota (que não é) demonstra os problemas de uma parte significativa da esquerda de hoje. É uma acção que se pretende forte, mas que apenas revela a debilidade de quem prefere um insidioso paternalismo ao combate político consequente. A luta é o caminho.
A Despolitização da Política
Quem procurar neste blogue não encontra textos contra o Bloco de Esquerda (BE). Não alimento preconceitos, mal-entendidos, falsidades, quando as convergências com o Partido Comunista Português (PCP) são imensamente maiores do que as divergências. Defendo que nos deve interessar, sobretudo, a unidade da esquerda. Mais uma vez não o farei. Mas a entrevista que Marisa Matias deu ao Expresso merece uma breve reflexão.
Associar a misoginia à ocorrência de a sua candidatura à presidência do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL) não ter reunido consenso e de o PCP e o AKEL (não esquecer) não a terem apoiado, parece-me que contribui unicamente para o processo de despolitização da política. (Além disso, promove-se assim a mentira em relação ao PCP, como comprovam Ilda Figueiredo, Inês Zuber, e Sandra Pereira, recém-eleita ao Parlamento Europeu.) É de assinalar que foi isso que Marisa começou por dizer: apenas que a sua candidatura não tinha reunido consenso. Agora disse outra coisa. Considerar que na avaliação de uma candidatura num grupo político com diversas perspectivas, mas que tem conseguido encontrar soluções consensuais de funcionamento e representação, deve ser privilegiado o facto de alguém ser mulher, portuguesa, etc., e não as suas ideias políticas, não contribui para a igualdade de género na participação política. É utilizar a diferença de género como arma de arremesso, abrindo a porta à chantagem (“se não estiveres comigo, estás contra mim e contra as mulheres”) e esvaziando a discussão política. Para que fique registado, o PCP apoiou a composição de um gabinete, corpo executivo do GUE/NGL, que inclui Marisa Matias (BE) e João Ferreira (PCP), e que tem como presidente, precisamente, uma mulher: Gabriele Zimmer (Die Linke).O Ensino dos Professores
Eis a pista para a primeira chave horizontal das palavras cruzadas propostas no Expresso desta semana: “Ensinam quando não estão em greve.” A palavra? “Professores.” Já o escrevi há mais de um ano e este passatempo impregnado de ideologia trouxe-me as palavras à memória:
A educação é um pilar da democracia. Por isso, uma forma de medir o atraso ou o avanço de uma democracia, de determinar a grandeza do seu desenvolvimento, é o modo como se tratam e olham os professores: se não dignificados ou não, se são respeitados ou não, se são defendidos ou não. Cada luta justa dos professores em Portugal revela uma imensa solidariedade, nomeadamente de colegas de escola, de estudantes, e de encarregados de educação. Mas demonstra também que ainda temos muito para andar na democratização da sociedade portuguesa.E é precisamente por esta razão que os professores também ensinam quando estão em greve.
Reaccionarismo e Elite
Rui Tavares responde hoje a M. Fátima Bonifácio no mesmo jornal que publicou o artigo dela. Num texto com o título “O Neorreacionarismo e como o Combater”, ele argumenta que “a elite portuguesa — na academia, na imprensa e na política — não quis até agora fazer o esforço de dar espaço às minorias”. A elite é uma entidade que marca presença em muitos discursos políticos supostamente progressistas em Portugal, sem nunca ser contestada ou enfrentada. E que tal qualquer coisa de esquerda?
Mergulho no Abismo
O racismo e a xenofobia não são opiniões ou pontos de vista pessoais: são julgamentos sociais. Dar espaço a artigos como o de M. Fátima Bonifácio hoje no Público é contribuir para o recuo de conquistas democráticas e para a desresponsabilização dos meios de comunicação e informação. É mergulhar no abismo.
A Importância do Importante
É na política e na religião. Volta e meia cruzo-me com pessoas que defendem de modo obstinado, contra os factos registados pelos anos e séculos, que tudo permanece e deve permanecer na mesma. As comunidades políticas e religiosas fazem parte da dinâmica história e do tecido social. Desafiam e são desafiadas. Isso não quer dizer que o fundador, o essencial, não se mantenha. Mas as pessoas a que me refiro têm dificuldade em distinguir o essencial do que não o é. Algumas rejeitam liminarmente que tal distinção possa ser feita. Mas atribuir a tudo a mesma importância, não é pôr em causa a própria noção de importância? Assim se cegam os olhos e se endurece o coração.