É difícil ler o nome do autor do relatório que levou à proibição do livro de Alves Redol, Gaibéus, no Portugal de 1940. O seu nome importa pouco. Relevante é o seu discurso. Nele está inscrito de forma límpida a ideologia da ditadura fascista e do terrorismo dos capitalistas e grandes agrários que a constituía. O parecer dá a entender que a perigosidade dos revolucionários advém do facto de não serem “humildes [...] perante a brutalidade dos capatazes que os vigiam implacavelmente para que o seu suor se transforme copiosamente em lucro do patrão.” Segundo o texto, a personagem digna de aprovação é aquela que “abafa a sua revolta como um vencido incapaz de lutar contra o infortúnio e contra a desigualdade social existente.” Ontem como hoje, as revolucionárias e os revolucionários rejeitam a resignação face ao autoritarismo opressor dos amos. Levantam-se, dianteira das massas e do povo, encontrando na rebelião contra o silêncio imposto e a exploração humana uma força libertadora e transformadora que dite o avesso desse mundo para lhe dar outra realidade.
Uma Casa Grande
As autoridades têm olheiras
e estudada voz para os comunicados:
garantiremos a melhor solução entre as partes.
Quais partes? as pudendas?
Destas Deus já cuidou recobrindo de pêlos.
Meu filho era bonzinho.
Nunca ia suicidar conforme disse o polícia.
Pus a mão na cabeça dele, estava toda quebrada,
mataram de pancada o meu filhinho.
As testemunhas sumiram,
perderam os dentes, a língua,
perderam a memória.
Eu perdi o menino.
“...Ele acolhia as turbas, falando-lhes do Reino,
e aos necessitados de cura devolvia a saúde.”
Palavras duras só para os mentirosos, os legistas
que atrelavam aos outros pesados fardos
que eles mesmos nem sequer tocavam...
Ó grito grande que eu queria gritar,
silvos que me esvaísse.
Certos tons, aves domésticas,
casa amarela com portão e flores me excitam,
mas não posso gozar. Tenho que pregar o Reino.
Quero um sítio, uma chacarazinha de nada,
o cristianismo não deixa,
o marxismo não deixa.
Ó grito grande, na frente dos palácios
episcopais e não:
O POVO UNIDO
JAMAIS SERÁ VENCIDO!
Minha piscina não é de lazer, disse o papa.
Não pretendo ser profeta, disse o bispo.
Que grosso cordão, que balde cheio,
que feixe grosso de coisas más.
Que vida incoerente a minha,
que areia suja.
Sou uma velha com quem Deus brinca.
De parelha com iras e vergonhas
meu apetite segue imperturbável,
carnes gordas, farinhas,
prelibo os legumes como a encontros carnais
e tenho medo da morte
e penso nela diuturnamente
como se eu fosse respeitável, séria,
comedida e frugal dama-filósofa.
Se alguém me acompanhar fundo um partido.
Derrubarei o governo, o papado,
dizimarei as casas paroquiais
e fundarei meu sonho:
num cerrado, inúmeros
desciam os frades com seus capuzes
como aves marrons, pacificamente, procuravam um lugar.
Eu os acompanhei até que viram uma casa grande.
Tinha um grande fogão, uma grande mesa,
e todos foram entrando e acomodavam-se,
espalhando-se pela casa
como verdadeiros irmãos.— ADÉLIA PRADO, “O Falsete”
O Amor Combate
Meu amor que eu não sei. Amor que eu canto. Amor que eu digo.
Teus braços são a flor do aloendro.
Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:O nosso amor é sangue. É seiva. É sol. É Primavera.
Amor intenso. Amor imenso. Amor instante.
O nosso amor é uma arma. É uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.O nosso amor é pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa.
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.Deixa-me soltar estas palavras amarradas
para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-abril.
Este amor de liberdade.— JOAQUIM PESSOA, “Amor Combate”
De Pernas para o Ar
O PS não está disponível para governar à esquerda. Não é novidade, mas vale a pena reiterá-lo. Vimos demasiadas vezes virar esta evidência (que não é de hoje nem de ontem) de pernas para o ar.
Nunca Hoje
Quem ainda está vivo nunca diga: nunca.
O que é seguro não é seguro.
As coisas não continuarão a ser como são.
Depois de falarem os dominantes
Falarão os dominados.
Quem pois ousa dizer: nunca?
De quem depende que a opressão prossiga? De nós.
De quem depende que ela acabe? Também de nós.
O que é esmagado que se levante!
O que está perdido, lute!
O que sabe ao que se chegou, que há aí que o retenha?
Porque os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã.
E nunca será: ainda hoje.— BERTOLT BRECHT, “Elogio da Dialéctica”
Do Mais Vida
Todo o vivo é prefácio, lembrem, do mais vida.
— MARIA VELHO DA COSTA, “Entre Actos, Cravo”
Quem?
Quem marca uma fronteira
àquela nuvem
a asa que é a sua sombra
onde mora?Sob as mordaças
calam-se as palavras
mas ninguém te cala
pensamento.Quem manda à semente
não germines
ao fruto dela
que o não seja?Amarram-se os pulsos
com algemas
mas ninguém te amarra
pensamento.Quem impõe ao dia
que não nasça
ao sol que é a sua fonte
que não brilhe?Fecham-se as janelas
com tapumes
mas ninguém te cega
pensamento.Quem diz ao amor
é impossível
à lembrança que é seu laço
que o não seja?Separam-se os amantes
na distância
ninguém te roubará
meu pensamento.— JOAQUIM NAMORADO, “Liberdade”
A Luta Ideológica pela Democracia
Quem conhece um pouco da história sabe que a democracia não pode considerar-se nunca uma conquista definitiva. As ameaças à democracia podem vir de onde menos se espera. É preciso, por isso, lutar por ela todos os dias, combatendo os dogmas e as estruturas neoliberais próprios do capitalismo dos nossos dias, porque este é, essencialmente, um combate pela democracia.
Falando na Universidade, gostaria de lembrar aos universitários que o terreno da luta ideológica é hoje um dos principais palcos da luta de classes. É dever dos universitários ocupar o seu posto nesta luta.
— ANTÓNIO AVELÃS NUNES, “Vale a Pena Lutar pelos Valores de Abril!”, intervenção lida a 25 de Abril de 2014, Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra
Nas Trincheiras
Quando já não pudermos mais chorar e as palavras forem pequeninos suplícios e olhando para trás virmos apenas homens desmaiados, então alguém saltará para o passeio, com o rosto já belo, já espontâneo e livre, e uma canção nascida de nós ambos, do mais fundo de nós, a exaltar-nos!
— MÁRIO CESARINY, “Barricada”
Vivant Sequentes
However, the whole world to date, the world of mere facts with the openness to annihilation, is untrue. The only true things are the process found in the world, and the voice of that rebel who said to Pilate, with a very different party-allegiance in mind, allegiance to the Novum: “Every one who is of the truth hears my voice.” And then their place is the struggle, the point of resolution, the warm current, with the cry of mankind in their ears, and the memory of that cry, out on the front of world-process.
[...] When Christians are really concerned with the emancipation of those who labor and are heavy-laden, and when Marxists retain the depths of the Kingdom of Freedom as the real content of revolutionary consciousness on the road to becoming true substance, the alliance between revolution and Christianity founded in he Peasant Wars may live again — this time with success. [...]
Vivant Sequentes. Marxism, and the dream of the unconditioned, follow the same path and the same plan of campaign. A Humanum free from alienation, and a World into which it could fit — a world as yet undiscovered, but already sensed: both theses things are definitely present in the experiment of the Future, the experiment of the World.
— ERNST BLOCH, Atheism in Christianity
A Arte da Revolução
Factos, ideias, e depois novos factos: este é o modo como se tem desenvolvido até agora, que é verdadeiramente decisivo se queremos fazer progressos.
Como disse ontem, isto não é mais apenas uma questão de princípios ou ética; num certo sentido é uma questão de estética. Estética em que sentido? Penso que a revolução é uma obra que deve ser constantemente melhorada; aliás, é uma obra de arte.
— FREI BETTO, Fidel e a Religião
As Circunstâncias Fazem os Homens e os Homens Fazem as Circunstâncias
Esta concepção da história assenta, portanto, no desenvolvimento do processo real da produção, partindo logo da produção material da vida imediata, e na concepção da forma de intercâmbio intimamente ligada a este modo de produção e por ele produzida, ou seja, a sociedade civil nos seus diversos estádios, como base de toda a história, e bem assim na representação da sua acção como Estado, explicando a partir dela todos os diferentes produtos teóricos e formas da consciência — a religião, a filosofia, a moral, etc., etc. — e estudando a partir destas o seu nascimento; deste modo, naturalmente, a coisa pode também ser apresentada na sua totalidade (e por isso também a acção recíproca destas diferentes facetas umas sobre as outras). Ao contrário da visão idealista da história, não tem de procurar em todos os períodos uma categoria, pois permanece constantemente com os pés assentes no chão real da história; não explica a práxis a partir da ideia, explica as formações de ideias a partir da práxis material, e chega, em consequência disto, também a este resultado: todas as formas e produtos da consciência podem ser resolvidos não pela crítica espiritual, pela dissolução na “Consciência de Si” ou pela transformação em “aparições”, “espectros”, “manias”, etc., mas apenas pela transformação prática [revolucionária] das relações sociais reais de que derivam estas fantasias idealistas — a força motora da história, também da religião, da filosofia e de toda a demais teoria, não é a crítica, mas sim a revolução. Ela mostra que a história não termina resolvendo-se na “Consciência de Si” como “espírito do espírito”, mas que nela, em todos os estádios, se encontra um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e dos indivíduos uns com os outros que a cada geração é transmitida pela sua predecessora, uma massa de forças produtivas, capitais e circunstâncias que, por um lado, é de facto modificada pela nova geração, mas que por outro lado também lhe prescreve as suas próprias condições de vida e lhe dá um determinado desenvolvimento, um carácter especial —, mostra, portanto, que as circunstâncias fazem os homens tanto como os homens fazem as circunstâncias.
— KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS, A Ideologia Alemã
A Sensibilidade que Imagina o Comum
entre mim e ti há a terceira coisa
aquela que nos põe ao alcance da mão
os nomes todos das coisas e as coisas sem nomequando a multidão sagrada dos pronomes pessoais nos
permite dizer nós contra o tempo e o vento
Nós que aos cinco sentidos acrescentamos os outrosNós a sensibilidade que imagina o comum
quando uma multidão deixa de ser
um rebanho de escravos para começar a ser
uma assembleia de humanos livresde pé no chão da terra discutimos o que fazer
pelas mãos em concha bebemos a água
onde a luz do sol cintila irisando-aNós que para além de ti e de mim somos
a terceira coisa o fantasma o espectro
que lhes continua a assolar o mundo
a terceira coisa: a promessa sem garantias
a invenção do incomum que partilha o comum
o comunismo que vem connosco
e para além de nós recomeça a contar— MANUEL GUSMÃO, “Elogio da Terceira Coisa”
Sobre o Futuro
Aquilo que agora é pântano pode ser drenado. Redobrando-se a coragem e o saber, o futuro não virá como fatalidade sobre o ser humano, mas o ser humano virá sobre o futuro e ingressará nele com o que é seu.
— ERNST BLOCH, O Princípio Esperança
Grito-Trovão
Quem é que não se lembra
Daquele grito que parecia trovão?!
— É que ontem
Soltei meu grito de revolta.
Meu grito de revolta ecoou pelos vales mais longínquos da Terra,
Atravessou os mares e os oceanos,
Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,
Não respeitou fronteiras
E fez vibrar meu peito...Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de todos os Homens,
Confraternizou todos os Homens
E transformou a Vida...— AMÍLCAR CABRAL, “Poema”
Marina Ginestà (1919-2014)
La juventud, las ganas de ganar, las consignas... yo me las tomaba en serio. Creía que si resistíamos ganábamos. Teníamos la sensación de que la razón estaba con nosotros y que acabaríamos ganando la guerra, nunca pensamos que acabaríamos nuestras vidas en el extranjero. [...] La decepción de la derrota, el recuerdo “de los compañeros que se quedaban atrás, muchos de ellos fusilados”, se mezclaba entonces con el sueño de que las democracias europeas vencieran al fascismo en la recién iniciada Guerra Mundial.— MARINA GINESTÀ
55 Anos
Compañeros obreros y campesinos, esta es la revolución socialista y democrática de los humildes, con los humildes y para los humildes. Y por esta revolución de los humildes, por los humildes y para los humildes estamos dispuestos a dar la vida.— FIDEL CASTRO