A Constituição da Esperança

15.12.2020

A minha intervenção como Mandatário da Candidatura de João Ferreira à Presidência da República no Distrito de Coimbra:

Estamos aqui porque o mundo não pára e nos dá uma carga de trabalhos, à qual respondemos com resistência, protesto, e capacidade de transformação. No contexto destas eleições presidenciais, há uma candidatura que entende isto muito bem. Uma candidatura que reconhece que a Constituição que emergiu da Revolução de Abril não é a letra viva que devia ser, que as revisões a esse documento o mudaram para pior mas não lhe tiraram a força fundamental, que se coloca ao lado de quem luta para que o caminho democrático aberto em 1974 seja retomado, sem digressões nem becos sem saída, que deseja que Portugal seja aquilo que sonhámos no 25 de Abril, com os pés bem assentes nesta terra.

No distrito de Coimbra, sobram pretextos para contestar e transformar a realidade de todos os dias.

A situação que se vive nos cuidados de saúde primários é preocupante como noutros distritos: consultas atrasadas e por remarcar; exames de diagnóstico por realizar; falta de médicos, enfermeiros, técnicos, assistentes operacionais e auxiliares de acção médica, sobrecarregando os trabalhadores existentes; sistemas de telecomunicações e equipamentos informáticos obsoletos; extensões de saúde encerradas; enfim, o Serviço Nacional de Saúde subfinanciado e grandes grupos privados a crescerem à custa da canalização de recursos públicos que deviam suportar e melhorar esse serviço. Para combater a COVID-19 e todas as outras doenças, é precisos recuperar atrasos, e garantir o acesso generalizado aos cuidados de saúde. Dou dois exemplos. O esvaziamento de capacidade do Centro de Saúde Militar de Coimbra, nomeadamente com a diminuição da sua oferta de cuidados assistenciais. E o progressivo desmantelamento do Hospital dos Covões, resultado de uma fusão de hospitais que sobrecarregou serviços, encerrou unidades de saúde, desfez valências, desestruturou equipas, e foi acompanhada com a instalação de várias unidades hospitalares privadas na região. Entretanto, o Hospital dos Covões foi designado como estrutura de referência no combate à epidemia.

No concelho de Penacova, impôs-se a necessidade da defesa da água pública, acessível a toda a população, de gestão próxima, municipal, contra os objectivos de privatização. Em Arganil, a florestação de áreas comunitárias ardidas foi entregue ao Grupo Jerónimo Martins, sem que tenha sido respeitada a propriedade comunitária e sem garantir que os compartes tenham poder de decisão sobre os seus baldios, como consagra a lei.

Em Coimbra, os trabalhadores da ERSUC do grupo EGF/Mota Engil, reclamam melhores condições de trabalho, a melhoria dos salários, e o subsídio de insalubridade, penosidade e risco para quem trabalha na recolha de resíduos sólidos e tem outras tarefas semelhantes. Os Estaleiros Navais do Mondego necessitam de um apoio que valorize a indústria naval como estratégica, no contexto da recuperação da produção nacional que promova o desenvolvimento na região. Os utentes e os trabalhadores juntam-se pela melhoria do serviço de transportes públicos em Coimbra, porque a multinacional TRANSDEV recorreu ao lay off simplificado, reduzindo o salário dos trabalhadores (tal como a Navigator na Figueira da Foz) e, simultaneamente, degradando o serviço prestado. Ainda sobre o tema dos transportes, persiste a necessidade da reposição, modernização e electrificação da linha do Ramal da Lousã já votada na Assembleia da República, dando resposta ao direito à mobilidade das populações que já foram servidas por essa ramificação e ligando-a à rede ferroviária nacional, potenciando a mobilidade entre regiões e contribuindo para a coesão territorial.

Urge concluir da Obra Hidroagrícola do Baixo Mondego e limpar e manter o leito de cheia, evitando os prejuízos recorrentes de agricultores e moradores. O distrito de Coimbra demonstra bem como a agricultura e a floresta não têm sido pensadas como um todo, complementares uma da outra. A liquidação de milhares de explorações agrícolas após a adesão à União Europeia, tem tido uma expressão de calamidade social e de ataque aos pequenos e médios agricultores e ao mundo rural, contribuindo para a desertificação e a desumanização do território. Num balanço geral, esta situação tem tornado Portugal mais dependente de importações de alimentos e da grande distribuição, roubando-lhe a soberania alimentar e penalizando a economia local.

Na educação, o processo de municipalização põe em causa a escola pública, gratuita e de qualidade, que é o modelo mais justo, mais avançado, mais moderno de organização do sistema educativo para o desenvolvimento integrado do país. Esta batalha tem tido particular manifestação em Coimbra. O sistema educativo deve valorizar o ensino público, democraticamente gerido, dotando-o de objectivos, estruturas, programas e meios financeiros e humanos capazes de concretizar o direito à igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso educativo, dando a devida atenção aos estudantes com necessidades educativas especiais e ao ensino artístico. Merecem destaque ainda as respostas de que precisam os estudantes do ensino superior, nomeadamente o reforço da acção social escolar, a avaliação dos impactos do ensino à distância no aumento das desigualdades, mas também a necessidade de assegurar alojamento para os muitos estudantes deslocados. A solução de utilizar hostels e pousadas para alojar estes estudantes fez subir os preços dos alojamentos e representa, mais uma vez, a demissão do Estado das responsabilidades e funções que lhe cabem.

A cultura é um sector que tem sido fustigado no distrito de Coimbra, com falta de financiamento e uma instabilidade e fragilidade permanentes. A COVID-19 veio criar ainda mais dificuldades, com cancelamento de espectáculos e ensaios. A cultura não pode ser considerada como um bem secundário ou descartável, na medida em que o efectivo acesso à criação e fruição culturais e a garantia da liberdade e do apoio à produção cultural são pilares de uma democracia robusta. Além disso, os trabalhadores deste sector não têm menos direito a uma vida profissional estável, com contratos de trabalho e protecção social.

Todas estas áreas são tratadas na nossa lei fundamental a partir de uma perspectiva vincadamente progressista. A Constituição estabelece direitos nas áreas da cultura, da educação, das liberdades e garantias dos trabalhadores, da política agrícola, da saúde, e estipula o estabelecimento de uma rede adequada de transportes e equipamentos sociais e a protecção de sectores básicos como a distribuição de água da actividade privada. A Constituição não serve apenas para ser lida. Ela deve escrever de modo concreto a nossa vida social como comunidade e país.

Na actual conjuntura, em que sucessivos governantes em Portugal, com o respaldo de Presidentes da República, têm aceitado os ditames das grandes potências europeias que dominam a União Europeia e a ideologia neoliberal que a sustenta, muitas vezes a afirmação destes direitos significa afirmar a estreita ligação entre democracia e soberania. Cabe aos povos decidir sobre as suas opções económicas e políticas, sem serem amarrados, cooperando com outros povos na base do respeito comum e do benefício mútuo. Neste contexto europeu que a pouco e pouco foi gerando conflitos e serviu de berço a forças extremistas e reaccionárias, a luta mais importante é mesmo a do direito a ter os direitos que a nossa Constituição consagra. Somos confrontados com as dificuldades que esta batalha arrasta consigo, mas temos a consciência de que o país e o mundo não têm de ser assim. A candidatura de João Ferreira a Presidente da República traz consigo a chama viva da esperança e da confiança nessa esperança. A ideia de que vale a pena lutar por um futuro melhor e que esse futuro não é uma quimera, mas será o resultado da nossa acção. Defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição, que é, no fundo, cumprir as promessas de Abril, é a incumbência essencial do Presidente da República. O projeto a que João Ferreira dá corpo é o único a assumir de forma corajosa esta tarefa, aceitando a Constituição nas suas múltiplas vertentes, sem ocultar nem desvalorizar nenhuma das suas partes. A força que derem a esta candidatura é uma forma activa de constituição da esperança num Portugal mais desenvolvido, mais justo, mais democrático, num país que nos cabe construir.