Olhar o Presente de Frente

23.11.2020

É enternecedora a preocupação de algumas figuras pelo “custo eleitoral” que o Partido Comunista Português poderá pagar ao manter o seu congresso. Na insistente campanha montada e alimentada, o “poderá” confunde-se sempre com o “deverá”.

Há de tudo. Da boca de muitas dessas pessoas já ouvimos cobras e lagartos, a mais pura desinformação sobre nós e o que defendemos. De outras vieram outrora discursos de declínios e óbitos sucessivamente anunciados, que, azar dos azares, nunca se confirmaram. Já para não falar daquelas que, volta e meia, defendem a importância do PCP para o regime democrático, algumas até ousando dizer que querem um “Partido Comunista forte” — mas não demasiado forte, não é?

As batalhas eleitorais são importantes, certamente. Mais votos e mais mandatos fortalecem a capacidade de transformação progressista da sociedade portuguesa, na senda da Revolução de Abril. Entretanto, os comentários negativos fazem manchetes e preenchem programas de televisão. As nossas iniciativas, intervenções, propostas, quase nunca. Sim, as batalhas eleitorais são importantes, mas não são tudo, nem nada que se pareça, desde logo porque não esgotam o exercício dos direitos democráticos conquistados com a revolução.

Na verdade, é um erro de análise considerar o PCP como um partido como os outros, obcecado com eleições, quando há tantos avanços que se conseguem simplesmente ajudando a organizar as gentes pelo que é justo, pelo que torna a sua vida melhor. Portanto, não é apenas o facto de o PCP ser centenário, de já ter passado por tudo e mais alguma coisa, de resistir quando pressionado, duro de roer. É a convicção que lhe está na base no contexto do sistema capitalista e imperialista: de que deve estar à altura dos momentos históricos em defesa da classe trabalhadora e do povo português, em solidariedade inabalável com os trabalhadores e povos espalhados pelo mundo. É isso que explica que o PCP se tenha mantido firme na clandestinidade durante mais de 50 anos, sem eleições para disputar, mas empenhado na luta pela liberdade e democracia.

Dir-me-ão que o PCP não é um partido deste tempo estouvado no qual a espuma dos dias é decisiva. Pois não. Ainda bem. É de um tempo sedimentado que olha o futuro quando à sua volta se nota a dificuldade em olhar o presente de frente.

Levar a sério a epidemia e as suas consequências é garantir a segurança e protecção através de medidas sanitárias adequadas. Mas é mais do que isso. Há-de se fazer a história deste período e o que ficará será a coragem e a combatividade de quem não se deixou paralisar enquanto a situação social se degradava, de quem não desistiu de defender quem tudo foi perdendo, de quem não deixou de apontar quem mais uma vez lucrou, de quem se recusou a cruzar os braços, enfim, de quem sabe que os direitos políticos facilmente estão sob ataque numa situação de crise, como se tem visto, como se não fossem eles que fundassem todos os outros direitos.

trabalhadores. E este é o seu congresso.”