Organizar a Luta

20.05.2020

Conheço algumas pessoas que, numa ou noutra ocasião, participaram em grandes manifestações de rua. Acharam que aquela situação ou aquela causa as mobilizava. Muitas vezes depois de uma marcha vão para casa com um sentimento de dever cumprido que pode ser egoísta, mas também de uma frustração que não é fértil, como se aquilo tivesse sabido a pouco e, enfim, não pudesse haver nada além desse pouco.

As participações, seja elas como forem, devem ser valorizadas. É isso que faz um filme como We Are Many (2014), sobre os protestos globais contra a invasão do Iraque em 2003 por uma coligação militar liderada pelos EUA e pelo Reino Unido. Entre os entrevistados contam-se alguns convictos activistas pela paz do mundo do cinema. Eles têm um clara consciência dos interesses económicos que estão na base das agressões imperialistas ao Iraque ou à Síria, mencionada na parte final do documentário.

Podia falar do enorme Danny Glover, actor (sim, esse, o companheiro de Mel Gibson na série Arma Mortífera) e produtor (de Abderrahmane Sissako, Elia Suleiman, Apichatpong Weerasethakul, entre outros). Foi ele que numa das manifestações em Nova Iorque gritou: “Em nosso nome, não.”

Prefiro falar do muito lúcido realizador britânico Ken Loach. Diz ele, comentando as oportunidades que se devem agarrar e potenciar: “Não penso que a marcha por si só podia parar a guerra. Porque as pessoas vão para casa e os governos vivem bem com isso. Com o que não vivem bem é com a organização a sério. E era isso que nós precisávamos que tivesse saído daí.”

Organização. Uma palavra à qual alguma gente de esquerda ainda torce o nariz. Mas sem isso, a luta contra o militarismo, a guerra, o imperialismo, assim como outras lutas, será sempre pontual, inorgânica, intensa num momento para desaparecer logo a seguir. O protesto de rua deve ser a expressão de um trabalho contínuo de organização, intervenção, divulgação, discussão, influência, para quem está verdadeiramente envolvido. Pode responder a um determinado contexto ou questão política. Mas não é um fogacho. É um momento de uma luta que deve continuar enquanto for necessário.


We Are Many.