De repente, em Portugal, há “especialistas” em epidemiologia e saúde pública em cada canto. Vêm sobretudo da direita pouco ou nada democrática. São inconfessados admiradores de Trump e Bolsonaro, porque parece que fica mal. Passam por “gurus”. Não querem ouvir os verdadeiros especialistas, aliás pretendem pôr em causa a sua competência, e distorcem o que a ciência diz. Tudo muito perigoso, especialmente porque não faltam teorias da conspiração mirabolantes. O problema não é só omitirem que a gestão de uma situação de epidemia do ponto de vista da saúde pública tem de levar em conta as características do surto, a situação epidemiológica em cada momento, e a capacidade instalada de prestar cuidados de saúde à população. Não é fácil imaginar o que diriam hoje se o nosso Serviço Nacional de Saúde tivesse colapsado ou se as mortes fossem quase o quadruplo das registadas em Portugal (como na Suécia, país com a mesma população). A questão é projectarem no passado a situação do presente, fruto de uma gestão cautelosa das autoridades de saúde. Fazem o mesmo com o próprio conhecimento da COVID-19, como se em Janeiro a comunidade científica soubesse o mesmo que sabe em Maio. Ao mesmo tempo, continuam a repetir falsidades como a ideia de que a letalidade da COVID-19 é comparável à da gripe, para a qual há vacina, quando os números actuais mostram que é cerca de quatro vezes superior — e o novo coronavírus é muito mais contagioso. No seu imenso entusiasmo pelo desconfinamento à bruta e à balda não há qualquer lugar à dúvida, à precaução, razão pela qual não comentam os focos que mostram como a propagação expõe desigualdades sociais e atropelos laborais, que as medidas governamentais não resolveram nem conseguiram evitar que se agravassem. Sobre isso nem uma palavra. Vivem noutro país, o do privilégio sem pudor que nunca está em perigo.