A democracia interna do Partido encontra uma das suas mais elevadas e significativas expressões na direcção colectiva e no trabalho colectivo.
A democracia significa essencialmente a lei do colectivo contra as sobreposições e imposições individuais e sobretudo individualistas.
Isto não significa que a democracia menospreze o indivíduo, o seu valor e a sua contribuição. Ao contrário. A democracia estimula, motiva e mobiliza a capacidade, a intervenção, a vontade e a decisão do indivíduo. Mas, como grande mérito e superioridade do espírito e dos métodos democráticos, a democracia insere a contribuição de cada indivíduo no quadro da contribuição dos outros indivíduos, ou seja, insere a contribuição individual no quadro da contribuição colectiva, como parte constitutiva da capacidade, intervenção, vontade e decisão colectivas.
Isto é igualmente válido nas organizações de base e nos organismos mais responsáveis. Os dirigentes inserem também o seu trabalho individual no trabalho colectivo e as suas opiniões e propostas devem estar sempre abertas ao enriquecimento, ao melhoramento e à correcção.
No nosso Partido não encontra terreno favorável quem quer que compreenda a democracia como uma forma directa ou indirecta de fazer vingar as suas opiniões individuais.
De facto aparecem episodicamente camaradas que, em termos gerais, defendem a mais ampla democracia, de forma a que seja ouvida e atendida a opinião dos militantes, mas que de facto só reconhecem existir democracia quando impõem a sua opinião pessoal.
Se o colectivo a que pertencem concorda com as suas opiniões, a democracia (segundo eles) está a ser aplicada e então exigem naturalmente que todos cumpram o decidido, e contestam que outros camaradas continuem defendendo as suas opiniões próprias.
Mas, se o colectivo não aceita as suas opiniões e põe em prática as que são democraticamente decididas, então (segundo eles) já não existe democracia e, em nome da democracia, sentem-se no direito de, contra a opinião e as decisões do colectivo, defenderem as suas opiniões que não foram aceites.
Todos os membros do Partido têm o direito de expressar e defender a sua opinião no organismo a que pertencem, mas nenhum tem o direito de sobrepor ou querer sobrepor a sua opinião individual à opinião do colectivo, à opinião do seu organismo ou organização, à opinião do seu Partido.
— ÁLVARO CUNHAL, O Partido com Paredes de Vidro
Trabalho Colectivo e Contributo Individual
Os Olhos das PPP
O Hospital de Cascais foi denunciado por falsificar dados para arrecadar mais dinheiro do Estado. Quando vos disserem maravilhas da gestão privada de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (PPP), lembrem-se disto: os grandes grupos económicos (com o nome Grupo Mello Saúde ou Lusíadas Saúde) entram neste sector com um olho para o negócio lucrativo, outro para os estratagemas que assegurem que assim seja, e nenhum para as reais necessidades dos utentes que possam impedir esses ganhos financeiros e a sua acumulação. Nada disso é surpreendente. O Estado só pode garantir o acesso aos cuidados de saúde, como consta na nossa Constituição, se rejeitar a sua mercantilização e privatização.
Agustina, Literatura e Classe
Agustina Bessa-Luís foi a maior escritora burguesa que Portugal produziu. Encontramos nos seus espantosos livros um retrato expressivo e rigoroso da burguesia nacional que não quis cumprir, por apatia ou temperamento, o seu papel histórico no desenvolvimento da sociedade portuguesa. Mas chamá-la de corajosa, como ouvi hoje na televisão, talvez seja um epíteto que a própria rejeitaria. É certamente mais adequado para descrever uma mulher como Maria Lamas (1893-1983) — que virou as costas à classe burguesa no seio da qual nasceu e contribuiu activamente, antes e depois da Revolução de Abril, para uma transformação social que apagasse as classes e os seus antagonismos.
Testemunho de uma Luta
Domingo da Festa da Ascensão e a Filipa lê-me uma passagem de um livro que lhe ofereci há pouco tempo: um testemunho singular de participação na luta colectiva pelo 25 de Abril. “O Partido Comunista Português, única vanguarda organizada da classe operária, disputa eleições com força e com seriedade, mesmo sabendo que em certas zonas do País o caciquismo reacionário e a influência da falsa igreja católica (chamamos falsos católicos aos que sempre estiveram e estão do lado do poder económico), essas forças conservadoras e cheias de ódio têm impedido e impedem, até pela violência, o esclarecimento político do povo.” Faz parte de uma intervenção num Comício no Prior Velho em 1975 de Urbano Tavares Rodrigues — quem havia de ser? O livro chama-se 21 Anos de Luta (Minotauro, 2019).