Vê-se o trágico declínio da política, cujo centro deve ser o bem comum, e o triunfo do individualismo contemporâneo nalgumas reacções à justa luta dos taxistas. Nessas manifestações fala apenas o consumidor, não o actor social consciente das suas acções. A ideologia é espessa, mas esta é uma discussão crítica. Na situação actual, passam a existir dois regimes com regras diferentes para um mesmo serviço e uma mesma profissão. Um com preço fixo, outro com preços desregulados. Um exigindo formação profissional, outro dispensando-a. Um com contingentes, outro sem contingentes. As viagens da Uber são baratas e fantásticas até as coisas correm mal numa transacção e a multinacional dizer que age apenas como intermediária, sem lhe poderem ser imputadas responsabilidades. A gigante já defendeu várias vezes que não disponibiliza sequer um serviço, mas somente uma plataforma de comunicação. Os motoristas não são empregados, são colaboradores independentes. Há automóveis que são dos próprios, pagos e mantidos por eles. Outros são alugados. O pouco dinheiro das viagens vai quase todo para a própria Uber, claro: quanto menos o cliente paga, maior é a taxa cobrada pela Uber aos motoristas. Alguns trabalhadores são proprietários dos meios de produção, mas nem assim ficam com o fruto do seu trabalho — suprema dominação. É uma questão de conflito de classes. O capitalismo pode usar muitas máscaras, mas a sua natureza mantém-se, aproveitando todas as oportunidades para intensificar a exploração no e do trabalho. É certo que as condições de trabalho neste transporte público devem ser melhoradas e o sector necessita de ser modernizado (ver a este propósito o Projecto de Resolução do PCP aprovado este ano na Assembleia da República). Mas a “uberização” da economia que se alastra não é um admirável mundo novo, é um claro retrocesso com brilho digital. Não nos deixemos encandear.
Por Outra Europa
Eis a campanha de apelo ao voto nas eleições para o Parlamento Europeu promovida pela União Europeia. Se o cartaz fosse assinado pela AfD, a Lega, a Fidesz ou outra força xenófoba europeia — e podia ser — era noticiado. Como não é, passa despercebido sem desmascarar a flagrante hipocrisia. Se a expressão verbal dos ditos “valores europeus” choca, imagine-se o que é ser esmagado todos os dias pelas políticas que os concretizam. Mas imaginar neste caso é dar um passo para fora da realidade, talvez sem a ela regressar. Em vez disso, repare-se. Basta abrir os olhos e olhar em redor.
Efeitos e Causas
Querer combater os efeitos com sanções de exclusão do Conselho Europeu (orgão de definição da política para todos os estados-membros da União Europeia, mesmo os assim excluídos) sem ter em conta o modo como isso alimenta ainda mais as causas, terá consequências desastrosas. Ir à raiz económica, social, e política da expansão da extrema-direita na Europa e considerar os resultados objectivos de tais coacções talvez não seja imediato. E, no entanto, é isso que este momento exige. Entretanto, Jean Claude-Juncker anunciou uma guarda costeira com 10 mil agentes para “proteger as nossas fronteiras exteriores”.
11 de Setembro
No rescaldo do ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001, a esquerda internacionalista e anti-imperialista estado-unidense, com a participação decisiva de comunistas e seus aliados, criou uma palavra de ordem: “O nosso luto não é um chamamento para a guerra.” Em relação ao golpe patrocinado pela CIA a 11 de Setembro de 1973 no Chile, a mesma esquerda poderia dizer algo assim: “O nosso luto é um chamamento contra a guerra.”