As Circunstâncias Fazem os Homens e os Homens Fazem as Circunstâncias

28.02.2014

Esta concepção da história assenta, portanto, no desenvolvimento do processo real da produção, partindo logo da produção material da vida imediata, e na concepção da forma de intercâmbio intimamente ligada a este modo de produção e por ele produzida, ou seja, a sociedade civil nos seus diversos estádios, como base de toda a história, e bem assim na representação da sua acção como Estado, explicando a partir dela todos os diferentes produtos teóricos e formas da consciência — a religião, a filosofia, a moral, etc., etc. — e estudando a partir destas o seu nascimento; deste modo, naturalmente, a coisa pode também ser apresentada na sua totalidade (e por isso também a acção recíproca destas diferentes facetas umas sobre as outras). Ao contrário da visão idealista da história, não tem de procurar em todos os períodos uma categoria, pois permanece constantemente com os pés assentes no chão real da história; não explica a práxis a partir da ideia, explica as formações de ideias a partir da práxis material, e chega, em consequência disto, também a este resultado: todas as formas e produtos da consciência podem ser resolvidos não pela crítica espiritual, pela dissolução na “Consciência de Si” ou pela transformação em “aparições”, “espectros”, “manias”, etc., mas apenas pela transformação prática [revolucionária] das relações sociais reais de que derivam estas fantasias idealistas — a força motora da história, também da religião, da filosofia e de toda a demais teoria, não é a crítica, mas sim a revolução. Ela mostra que a história não termina resolvendo-se na “Consciência de Si” como “espírito do espírito”, mas que nela, em todos os estádios, se encontra um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e dos indivíduos uns com os outros que a cada geração é transmitida pela sua predecessora, uma massa de forças produtivas, capitais e circunstâncias que, por um lado, é de facto modificada pela nova geração, mas que por outro lado também lhe prescreve as suas próprias condições de vida e lhe dá um determinado desenvolvimento, um carácter especial —, mostra, portanto, que as circunstâncias fazem os homens tanto como os homens fazem as circunstâncias.

KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS, A Ideologia Alemã

A Sensibilidade que Imagina o Comum

14.02.2014

entre mim e ti há a terceira coisa
aquela que nos põe ao alcance da mão
os nomes todos das coisas e as coisas sem nome

quando a multidão sagrada dos pronomes pessoais nos
permite dizer nós contra o tempo e o vento
Nós que aos cinco sentidos acrescentamos os outros

Nós a sensibilidade que imagina o comum

quando uma multidão deixa de ser
um rebanho de escravos para começar a ser
uma assembleia de humanos livres

de pé no chão da terra discutimos o que fazer
pelas mãos em concha bebemos a água
onde a luz do sol cintila irisando-a

Nós que para além de ti e de mim somos
a terceira coisa o fantasma o espectro
que lhes continua a assolar o mundo
a terceira coisa: a promessa sem garantias
a invenção do incomum que partilha o comum
o comunismo que vem connosco
e para além de nós recomeça a contar

MANUEL GUSMÃO, “Elogio da Terceira Coisa”

Sobre o Futuro

03.02.2014

Aquilo que agora é pântano pode ser drenado. Redobrando-se a coragem e o saber, o futuro não virá como fatalidade sobre o ser humano, mas o ser humano virá sobre o futuro e ingressará nele com o que é seu.

ERNST BLOCH, O Princípio Esperança