De um texto lúcido, e muito actual, de Manuel Gusmão, “Democracia e Cidadania: Nota para um Caderno de Encargos”, publicado no n.º 9 de 2000 do Caderno Vermelho, revista do Sector Intelectual de Lisboa do PCP:
O cidadão pode ser desdobrado em várias figuras, papéis, ou condições. Pode ser visto como um eleitor, um contribuinte, um consumidor, um utente, um morador, um habitante do planeta. Nessas suas qualidades abrem-se espaços de cidadania, espaços de organização e luta, espaços de participação que não podem ser negligenciados. Entretanto há que observar que essa multiplicidade de figuras pode ser construída como uma fragmentação, e uma fragmentação que esconde uma das condições do cidadão, a sua relação com o sistema de produção e de propriedade dos meios de produção. Por aí esconde-se que a indivisibilidade dos direitos implicou (no seu devir histórico) e implica hoje que o trabalho seja reconhecido como fonte de direitos, e que o trabalho sem direitos é uma inaceitável amputação da cidadania, uma amputação que está em estreita relação com a tentativa de mercadorização de todas as esferas da actividade humana.